O Plenário, por maioria, proveu recurso extraordinário para
afastar a possibilidade de a Receita Federal ter acesso direto a dados
bancários da empresa recorrente. Na espécie, questionavam-se disposições legais
que autorizariam a requisição e a utilização de informações bancárias pela
referida entidade, diretamente às instituições financeiras, para instauração e
instrução de processo administrativo fiscal (LC 105/2001, regulamentada pelo
Decreto 3.724/2001). Inicialmente, salientou-se que a República Federativa do
Brasil teria como fundamento a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e
que a vida gregária pressuporia a segurança e a estabilidade, mas não a
surpresa. Enfatizou-se, também, figurar no rol das garantias constitucionais a
inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, XII), bem como o acesso ao
Poder Judiciário visando a afastar lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º,
XXXV). Aduziu-se, em seguida, que a regra seria assegurar a privacidade das
correspondências, das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, sendo
possível a mitigação por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou
de instrução processual penal. Observou-se que o motivo seria o de resguardar o
cidadão de atos extravagantes que pudessem, de alguma forma, alcançá-lo na
dignidade, de modo que o afastamento do sigilo apenas seria permitido mediante
ato de órgão eqüidistante (Estado-juiz). Assinalou-se que idêntica premissa
poderia ser assentada relativamente às comissões parlamentares de inquérito,
consoante já afirmado pela jurisprudência do STF.
Asseverou-se que, na situação em apreço, estariam envolvidas
questões referentes: 1) à supremacia da Constituição, tendo em conta que ato
normativo abstrato autônomo haveria de respeitar o que nela se contém; 2) ao
primado do Judiciário, porquanto não se poderia transferir a sua atuação,
reservada com exclusividade por cláusula constitucional, a outros órgãos, sejam
da Administração federal, estadual ou municipal e 3) à prerrogativa de foro,
haja vista que seu detentor somente poderia ter o sigilo afastado ante a
atuação fundamentada do órgão judiciário competente. Destacou-se, ademais, que
a decretação da quebra do sigilo bancário não poderia converter-se em instrumento
de indiscriminada e ordinária devassa da vida financeira das pessoas em geral e
que inexistiria embaraço resultante do controle judicial prévio de tais
pedidos. Reputou-se, assim, que os dispositivos legais atinentes ao sigilo de
dados bancários mereceriam sempre interpretação harmônica com a Constituição. O
Min. Marco Aurélio, relator, conferiu à legislação de regência interpretação
conforme à Constituição, tendo como conflitante com esta a que implique
afastamento do sigilo bancário do cidadão, pessoa natural ou jurídica, sem ordem
emanada do Judiciário.
RE 389808/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 15.12.2010. (RE-389808)
Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ayres Britto
e Ellen Gracie que, ao reiterar os votos proferidos no julgamento da AC 33
MC/PR (v. Informativo 610), desproviam o recurso extraordinário. Consignavam
que, no caso, não se trataria de quebra de sigilo ou da privacidade, mas sim de
transferência de dados sigilosos de um órgão, que tem o dever de sigilo, para
outro, o qual deverá manter essa mesma obrigação, sob pena de responsabilização
na hipótese de eventual divulgação desses dados. Indagavam que, se a Receita
Federal teria acesso à declaração do patrimônio total de bens dos
contribuintes, conjunto maior, qual seria a razão de negá-lo quanto à atividade
econômica, à movimentação bancária, que seria um conjunto menor. Concluíam,
tendo em conta o que previsto no art. 145, § 1º, da CF (“Art. 145. ... § 1º
..., facultado à administração tributária, especialmente para conferir
efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais
e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte.”), que a lei que normatizara a aludida transferência
respeitaria os direitos e garantias fundamentais.
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