sábado, 1 de janeiro de 2011

Quebra de sigilo bancário pela Receita Federal


O Plenário, por maioria, proveu recurso extraordinário para afastar a possibilidade de a Receita Federal ter acesso direto a dados bancários da empresa recorrente. Na espécie, questionavam-se disposições legais que autorizariam a requisição e a utilização de informações bancárias pela referida entidade, diretamente às instituições financeiras, para instauração e instrução de processo administrativo fiscal (LC 105/2001, regulamentada pelo Decreto 3.724/2001). Inicialmente, salientou-se que a República Federativa do Brasil teria como fundamento a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e que a vida gregária pressuporia a segurança e a estabilidade, mas não a surpresa. Enfatizou-se, também, figurar no rol das garantias constitucionais a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, XII), bem como o acesso ao Poder Judiciário visando a afastar lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV). Aduziu-se, em seguida, que a regra seria assegurar a privacidade das correspondências, das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, sendo possível a mitigação por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal. Observou-se que o motivo seria o de resguardar o cidadão de atos extravagantes que pudessem, de alguma forma, alcançá-lo na dignidade, de modo que o afastamento do sigilo apenas seria permitido mediante ato de órgão eqüidistante (Estado-juiz). Assinalou-se que idêntica premissa poderia ser assentada relativamente às comissões parlamentares de inquérito, consoante já afirmado pela jurisprudência do STF.

Asseverou-se que, na situação em apreço, estariam envolvidas questões referentes: 1) à supremacia da Constituição, tendo em conta que ato normativo abstrato autônomo haveria de respeitar o que nela se contém; 2) ao primado do Judiciário, porquanto não se poderia transferir a sua atuação, reservada com exclusividade por cláusula constitucional, a outros órgãos, sejam da Administração federal, estadual ou municipal e 3) à prerrogativa de foro, haja vista que seu detentor somente poderia ter o sigilo afastado ante a atuação fundamentada do órgão judiciário competente. Destacou-se, ademais, que a decretação da quebra do sigilo bancário não poderia converter-se em instrumento de indiscriminada e ordinária devassa da vida financeira das pessoas em geral e que inexistiria embaraço resultante do controle judicial prévio de tais pedidos. Reputou-se, assim, que os dispositivos legais atinentes ao sigilo de dados bancários mereceriam sempre interpretação harmônica com a Constituição. O Min. Marco Aurélio, relator, conferiu à legislação de regência interpretação conforme à Constituição, tendo como conflitante com esta a que implique afastamento do sigilo bancário do cidadão, pessoa natural ou jurídica, sem ordem emanada do Judiciário.
RE 389808/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 15.12.2010. (RE-389808)

Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ayres Britto e Ellen Gracie que, ao reiterar os votos proferidos no julgamento da AC 33 MC/PR (v. Informativo 610), desproviam o recurso extraordinário. Consignavam que, no caso, não se trataria de quebra de sigilo ou da privacidade, mas sim de transferência de dados sigilosos de um órgão, que tem o dever de sigilo, para outro, o qual deverá manter essa mesma obrigação, sob pena de responsabilização na hipótese de eventual divulgação desses dados. Indagavam que, se a Receita Federal teria acesso à declaração do patrimônio total de bens dos contribuintes, conjunto maior, qual seria a razão de negá-lo quanto à atividade econômica, à movimentação bancária, que seria um conjunto menor. Concluíam, tendo em conta o que previsto no art. 145, § 1º, da CF (“Art. 145. ... § 1º ..., facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”), que a lei que normatizara a aludida transferência respeitaria os direitos e garantias fundamentais.

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