Por vislumbrar prova da materialidade e indícios suficientes de
autoria, o Plenário, em votação majoritária, recebeu, em parte, denúncia
oferecida pelo Ministério Público Federal contra deputado federal e outras 8
pessoas acusadas da suposta prática dos delitos de lavagem de dinheiro (Lei
9.613/98, art. 1º, V e § 1º, II e § 4º) e de forma ção
de quadrilha ou bando (CP, art. 288), rejeitando-a, no que concerne a este
último delito, somente quanto ao parlamentar e sua mulher. No caso, a peça
acusatória narrara o envolvimento de 11 pessoas — o parlamentar, sua esposa,
seus 4 filhos, nora e genro, casal de doleiros e consultor financeiro
naturalizado suíço — em pretensa ocultação e dissimulação da origem, da
natureza e da propriedade de valores provenientes de delitos de corrupção
passiva, alegadamente cometidos pelo parlamentar e seu filho, em virtude da
condição de agente político do primeiro, prefeito à época dos fatos. Descrevera
a inicial que, para a ocultação desses recursos financeiros, os denunciados se
utilizariam de diversas contas bancárias — mantidas em instituições financeiras
localizadas na Europa e nos Estados Unidos —, cujos titulares seriam empresas e
fundos de investimentos offshore, de propriedade da família do
parlamentar, o que caracterizaria organização criminosa voltada para a lavagem
de capitais.
Inq
2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 2
Constaria, ainda, a referência ao retorno desse numerário ao
Brasil por meio da compra de títulos denominados ADR’s (American Depositary
Receipts) de determinada empresa, pertencente à família do deputado federal,
com o intuito de dissimular a origem dos valores. A denúncia fora inicialmente
ofertada perante a justiça federal, sendo remetida ao Supremo ante a diplomação
do acusado. Diante disso, a Procuradoria-Geral da República, ao ratificar a
exordial, aditara-a para modificar período relativo ao 5º conjunto de fatos
nela descritos, bem como requerera o desmembramento do feito, de modo que a
tramitação nesta Corte ocorresse apenas em relação ao detentor de prerrogativa
de foro. Na ocasião, o Colegiado mantivera decisão do Min. Ricardo Lewandowski,
relator, que, por não entrever a participação direta do parlamentar nos
conjuntos fáticos de números 5 a 8,
encaminhara à origem os tópicos desmembrados — aqui incluído o casal de
doleiros.
Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 3
De início, rejeitou-se a preliminar de inépcia de denúncia
genérica ao fundamento de que, em se tratando de atuação coletiva de agentes,
cujos crimes teriam sido praticados por meio da colaboração de várias pessoas
físicas e jurídicas, não seria razoável exigir-se, nesta fase processual, que o
Ministério Público descrevesse de forma
minuciosa os atos atribuídos a cada um dos denunciados, sob pena de adentrar-se
em inextrincável cipoal fático. Além disso, as condutas dos agentes estariam de
tal modo interligadas, a permitir sua análise sob um mesmo modus operandi.
De igual modo, superou-se a alegação de que a exordial referir-se-ia a
documentos que não constariam dos autos. Assinalou-se que o parquet posteriormente
juntara novos documentos e mídia eletrônica, oportunidade em que os acusados
puderam se manifestar. Repeliu-se, também, a assertiva de que o delito de
lavagem constituiria mero exaurimento do crime antecedente de corrupção passiva.
Aduziu-se que a Lei 9.613/98 não excluiria a possibilidade de que o ilícito
penal antecedente e a lavagem de capitais subseqüente tivessem a mesma autoria,
sendo aquele independente em relação a esta. Rechaçou-se a pretensa
litispendência ou o risco de dupla penalização no que se refere a outra ação
penal em curso no STF contra o parlamentar e seu filho, pois os delitos seriam
diversos.
Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 4
Ante a natureza perma nente
da lavagem de capitais, afastou-se o argumento de ofensa ao princípio vedatório
de retroação da lei penal em prejuízo do réu. Sustentava a defesa que a peça
ministerial imputaria aos denunciados fatos ocorridos antes da entrada em vigor
da Lei 9.613/98. Consignou-se que, embora as transferências ilícitas de
recursos para o exterior tivessem ocorrido antes de 4 de março de 1998,
enquanto os valores correspondentes não viessem a ser legalmente repatriados ou
remanescessem ocultos no exterior, o crime de lavagem de capitais continuaria
sendo perpetrado. Os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes fizeram a reserva
de não se comprometerem com a tese, vindo a apreciá-la na ação penal. Nesse
contexto, explicitou-se que o marco inicial da prescrição seria computado a
partir do momento em que descoberto o delito, ou seja, quando o que estivesse
oculto viesse a lume. No ponto, o Presidente somou-se ao Ministro Dias Toffoli
para ressalvar seu entendimento quanto ao tema da prescrição. Em passo
seguinte, considerou-se que os documentos oriundos da quebra de sigilo bancário
dos acusados, enviados por governos estrangeiros às autoridades brasileiras,
seriam hábeis para embasar a denúncia. Ademais, o Plenário, ao julgar outra
ação penal ajuizada contra o parlamentar, autorizara utilização das provas em
outros processos. Mencionou-se que toda a documentação que instruíra os autos
fora colhida de modo lícito, com observância das garantias constitucionais dos
denunciados.
Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 5
Frisou-se não ser indispensável haver perfeita correspondência
entre os valores tidos pela acusação como oriundos do crime de corrupção
passiva e os movimentados, posteriormente, nas contas correntes mantidas no
exterior pela família do deputado federal. Refutou-se, ainda, a alusão de
dependência das regras descritas no § 1º em relação ao caput e aos
incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. Entendeu-se que essas seriam autônomas e
subsidiárias, de modo a não haver impedimento para que os acusados, em mesma
ação penal, respondessem separada e subsidiariamente por ações enquadradas em
cada um dos preceitos, desde que existente prova da materialidade e indícios
suficientes de autoria. Ressaltou-se que para a caracterização do delito de
lavagem de capitais bastaria o cometimento de atos que objetivassem a ocultação
patrimonial, sendo irrelevante o local em que operada a camuflagem, dado que em
jogo crime de natureza transnacional. No que se refere ao consultor financeiro,
enfatizou-se que, não obstante a carta rogatória expedida para a Suíça — com o
objetivo de intimá-lo para fins de apresentação de defesa preliminar — não
tivesse sido forma lmente cumprida,
sua finalidade fora atingida, haja vista que ele constituíra advogado para
representá-lo neste inquérito, o qual tivera amplo acesso aos autos e
demonstrara conhecimento inequívoco sobre os elementos componentes dos autos.
Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
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Por fim, resolveu-se questão de ordem suscitada da tribuna no
sentido de que o 5º conjunto fático retornasse ao STF, uma vez que o mencionado
aditamento, além de alterar o intervalo em que supostamente perpetradas as
condutas, teria incluído nova imputação ao parlamentar. A defesa, durante o
julgamento, informou que tramitariam perante a 1ª instância duas ações penais,
porquanto o juízo, ao receber o traslado, procedera à separação entre os
agentes brasileiros e o residente suíço. Argüiu que o juízo acatara a inicial
quanto aos nacionais e não se manifestara no que se refere ao estrangeiro. Por
maioria, reputou-se que o Supremo deveria apreciar esse grupo de fatos apenas
no tocante ao titular da prerrogativa de foro. O relator asseverou que não
haveria prejuízo ao parlamentar, já que amplamente se manifestara em defesa
preliminar — apresentada antes do desmembramento — e quando da juntada de documentos
adicionais. Explicou que, naquela oportunidade, concluíra, com base em
elementos precários de cognição, pela inexistência de relação direta com o
parlamentar. Agora, após examinar o conjunto indiciário, considerou que o fatos
estariam tão imbricados que o aditamento deveria ser acolhido. Ademais, afirmou
que essas acusações estariam incluídas no 3º conjunto fático. O Min. Cezar
Peluso, Presidente, acrescentou que a anterior decisão da Corte, relativa ao
desmembramento, não teria configurado verdadeiro arquivamento. Vencidos os
Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que não conheciam da
questão de ordem. Este aduzia não ser possível rever o arquivamento que
favorecera o deputado sem que surgissem dados fáticos novos. Além disso, tendo
em conta o princípio da segurança jurídica, apontava que a decisão do Pleno não
estaria submetida à condição resolutiva. O primeiro, por sua vez, observava que
o Tribunal teria outrora acatado a separação do feito.
Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 7
No mérito, a partir de farta documentação prob atória, a exemplo de pareceres técnicos,
verificou-se a existência de indícios substanciais de que o delito de corrupção
passiva, pressuposto para o recebimento da denúncia por lavagem de dinheiro,
teria ocorrido por intermédio de um sistema de desvios de verbas pagas pela
prefeitura a construtoras. Aludiu-se a conjunto de empresas que, durante anos,
teriam vendido serviços fictos àquela, mediante remuneração de 10%. Afirmou-se,
também por depoimentos testemunhais, que parte das propinas seriam remetidas ao
exterior, com o auxílio de doleiros, para contas da família do parlamentar, com
movimentação de aproximadamente US$ 1 bilhão. Assinalou-se que a mera ocultação
de capitais já poderia configurar, por si só, o crime de lavagem. Entretanto,
enalteceu-se o trabalho pericial realizado pelo Ministério Público do Estado de
São Paulo , em que retratado o
caminho percorrido pelo dinheiro retirado do país. Destacou-se que a elementar
subjetiva “servidor público” comunicar-se-ia ao filho do parlamentar, não
havendo impedimento para que fosse processado por corrupção passiva em
co-autoria.
Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
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Registrou-se que não haveria como deixar de considerar que cada
transferência internacional representaria, em tese, ajuda à pulverização do
capital ilícito, a caracterizar elo que daria continuidade ao processo de
ocultação patrimonial. Aduziu-se que esse raciocínio alcançaria os demais
acusados que, de alguma forma ,
manipularam ou foram beneficiados com os recursos. Realçaram-se que as
indicações, referências, comparações e conclusões do laudo elaborado pelo
Ministério Público estadual seriam confirma das
por outro trabalho pericial efetivado por técnicos do Departamento de
Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, da Secretaria
Nacional de Justiça, órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Anotou-se que,
em 11.5.2006, por intermédio de comunicação oficial desse ente, a acusação
tomara ciência dos documentos oriundos de autoridade norte-americana. Razão
pela qual, em face da perma nência do
delito, não se cogitaria de prescrição. Para evitar a ocorrência de bis in
idem, julgou-se o pleito ministerial improcedente quanto à imputação, em
concurso material, de ocultação de recursos oriundos de crime praticado por
organização criminosa (Lei 9.613/98, art. 1º, VII e § 4º). Correr-se-ia o risco
de punir os acusados, duas vezes, por corrupção passiva, desta vez cometida por
meio de organização criminosa.
Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
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Por outro lado, recebeu-se a denúncia quanto à forma ção de quadrilha ou bando (CP, art. 288).
Entretanto, no que concerne ao parlamentar e à sua mulher, reconheceu-se a
prescrição da pretensão punitiva, haja vista que ambos teriam mais de 70 anos
de idade (CP, art. 115). Para o acolhimento da pretensão acusatória, levou-se
em conta não só o fato de os denunciados integrarem a mesma família, mas
também, consoante demonstrado para fins de cognição sumária e inaugural, a
circunstância de serem sócios de várias pessoas jurídicas offshore,
suspeitas de envolvimento na lavagem de capitais; transferirem recursos entre
essas sociedades; e empregarem mecanismos societários complexos a dificultar a
identificação de seus dirigentes. Ademais, conforme comprovado, essa associação
objetivaria a prática de crimes. Advertiu-se inexistir empecilho para a
exacerbação da pena, com base no § 4º do art. 1º da Lei 9.613/98, na hipótese
de demonstração de que os crimes de lavagem de capital teriam sido perpetrados
de modo habitual e reiterado. Vencido o Min. Marco Aurélio, que rejeitava a
denúncia. Salientava que as práticas delituosas teriam ocorrido em 1998 e, em
conseqüência, pronunciava a prescrição da pretensão punitiva quanto ao
parlamentar. Esclarecia que o crime de lavagem se operaria com os atos e os
fatos realizados, possuindo natureza instantânea. Determinava, por conseguinte,
a baixa dos autos à justiça de primeiro grau relativamente aos demais
envolvidos.
Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011.
(Inq-2471)
Prefeito e crime de responsabilidade
A 1ª Turma deproveu
recurso ordinário em habeas corpus em que pretendido o trancamento de
ação penal ajuizada, com fulcro no art. 1º, II, do DL 201/67 [“Art. 1º São
crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal (sic), sujeitos ao
julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara
dos Vereadores: ... II - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou
alheio, de bens, rendas ou serviços públicos”], contra ex-prefeito que, no
exercício do cargo, emprestara carro oficial a correligionário para fins
particulares. Na espécie, o paciente colocara veículo da prefeitura à
disposição de vereador que, ao se dirigir a evento festivo, na companhia de
familiares e de terceiro, colidira o automóvel. Asseverou-se que o trancamento
de ação penal somente seria possível em situações de extrema excepcionalidade,
o que não seria o caso. O Min. Marco Aurélio destacou a minudência da denúncia
e a temeridade de se admitir, existentes 5.567 municípios no Brasil, a
reprodução desse fato em outras municipalidades.
RHC 107675/DF,
rel. Min. Luiz Fux, 27.9.2011. (RHC-107675)
Crime de perigo abstrato e embriaguez
ao volante
A 2ª Turma denegou habeas
corpus em que se pretendia o restabelecimento de sentença absolutória de
denunciado pela suposta prática do delito tipificado no art. 306 do CTB [“Conduzir
veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro
de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer
outra substância psicoativa que determine dependência”]. O paciente alegava
a inconstitucionalidade da referida norma
ao criar crime de perigo abstrato, na medida em que a modalidade do delito
seria compatível apenas com a presença de dano efetivo. Aludiu-se que, segundo
a jurisprudência do STF, seria irrelevante indagar se o comportamento do agente
atingira, ou não, algum bem juridicamente tutelado. Consignou-se, ainda,
legítima a opção legislativa por objetivar a proteção da segurança da própria
coletividade.
HC
109269/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.9.2011. (HC-109269)
Princípio da insignificância e
rompimento de obstáculo
A 2ª Turma denegou habeas
corpus em que requerida a aplicação do princípio da insignificância em favor
de condenado por crime de furto qualificado com rompimento de obstáculo (CP: “Art.
155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de
um a quatro anos, e multa. ... § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos,
e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à
subtração da coisa”). Na espécie, a defesa sustentava a atipicidade
material da conduta, haja vista que a res furtiva fora avaliada em R$
220,00. Na linha da jurisprudência firma da
pela 2ª Turma , ratificou-se a
inviabilidade da incidência do referido postulado aos delitos contra o
patrimônio praticados mediante ruptura de barreira.
HC 109609/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 27.9.2011. (HC-109609)
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