A Lei Complementar 135/2010 — que altera a Lei Complementar
64/90, que estabelece, de acordo com o § 9º do art. 14 da CF, casos de
inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para
incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade
administrativa e a moralidade no exercício do mandato — não se aplica às
eleições gerais de 2010. Essa a conclusão do Plenário ao prover, por maioria,
recurso extraordinário em que discutido o indeferimento do registro de
candidatura do recorrente ao cargo de deputado estadual nas eleições de 2010,
ante sua condenação por improbidade administrativa, nos termos do art. 1º, I, l,
da LC 64/90, com redação dada pela LC 135/2010 [“Art. 1º São inelegíveis: I
– para qualquer cargo: ... l) os que forem condenados à suspensão dos direitos
políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao
patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito
em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da
pena”]. Preliminarmente, reconheceu-se a repercussão geral da questão
constitucional relativa à incidência da norma vergastada às eleições de 2010,
em face do princípio da anterioridade eleitoral (CF, art. 16). Tendo em conta
que já assentada por esta Corte a repercussão geral concernente à alínea k
do mesmo diploma, aduziu-se que igual tratamento deveria ser conferido à alínea
l que, embora aborde o tema com nuança diferenciada, ambas fariam parte
da mesma lei, cuja aplicabilidade total fora contestada.
RE 633703/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.3.2011. (RE-633703)
Lei da “Ficha Limpa”
e art. 16 da CF - 2
No mérito, prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes, relator.
Após fazer breve retrospecto histórico sobre o princípio da anterioridade
eleitoral na jurisprudência do STF, reafirmou que tal postulado constituiria
uma garantia fundamental do cidadão-eleitor, do cidadão-candidato e dos partidos
políticos e, qualificada como cláusula pétrea, seria oponível, inclusive, em
relação ao exercício do poder constituinte derivado. No tocante à LC 135/2010,
asseverou a sua interferência em fase específica do processo eleitoral — fase
pré-eleitoral —, a qual se iniciaria com a escolha e a apresentação de
candidaturas pelos partidos políticos e encerrar-se-ia até o registro das
candidaturas na Justiça Eleitoral. No entanto, enfatizou que a controvérsia
estaria em saber se o referido diploma limitaria os direitos e garantias
fundamentais do cidadão-eleitor, do cidadão-candidato e dos partidos políticos
e, dessa forma, afetaria a igualdade de chances na competição eleitoral, com
conseqüências diretas sobre a participação eleitoral das minorias. Consignou que,
se a resposta fosse positiva, dever-se-ia observar o princípio da
anterioridade.
RE 633703/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.3.2011.
(RE-633703)
Lei da “Ficha Limpa”
e art. 16 da CF - 3
O relator acrescentou que a escolha de candidatos para as
eleições seria resultado de um longo e complexo processo em que mescladas
diversas forças políticas. Rejeitou, assim, o argumento de que a lei impugnada
seria aplicável às eleições de 2010 porque publicada antes das convenções
partidárias, data em que se iniciaria o processo eleitoral. Nesse sentido,
ressaltou que o princípio da anterioridade eleitoral funcionaria como garantia
constitucional do devido processo legal eleitoral. Registrou, ainda, que esse
mesmo princípio também teria um viés de proteção das minorias, uma vez que a
inclusão de novas causas de inelegibilidades diversas das originalmente
previstas na legislação, além de afetar a segurança jurídica e a isonomia
inerentes ao devido processo eleitoral, influenciaria a possibilidade de que as
minorias partidárias exercessem suas estratégias de articulação política em
conformidade com as balizas inicialmente instituídas. No ponto, assinalou que o
art. 16 da CF seria uma barreira objetiva contra abusos e desvios da maioria e,
nesse contexto, destacou o papel da jurisdição constitucional que, em situações
como a presente, estaria em estado de tensão com a democracia, haja vista a
expectativa da “opinião pública” quanto ao pronunciamento do Supremo sobre a
incidência imediata da “Lei da Ficha Limpa”, como solução para todas as mazelas
da vida política. Ponderou que a missão desta Corte seria aplicar a
Constituição, mesmo que contra a opinião majoritária.
RE 633703/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.3.2011.
(RE-633703)
Lei da “Ficha Limpa”
e art. 16 da CF - 4
Nessa linha, manifestou-se o Min. Luiz Fux. Reputou que a lei
adversada fixara novas causas de inelegibilidade em 2010, as quais não poderiam
ser aplicadas no mesmo ano da eleição. Embora reconhecesse que a “Lei da Ficha
Limpa” fosse um dos mais belos espetáculos democráticos, mencionou que a
iniciativa popular deveria observância às garantias constitucionais. Realçou
que o art. 16 da CF teria como escopo evitar surpresas no ano eleitoral, mas
não disporia sobre o termo a quo específico para o início da contagem
desse prazo ânuo. No ponto, afirmou que a expressão “processo eleitoral”,
contida em tal preceito, referir-se-ia à dinâmica das eleições, à escolha dos
candidatos e às fases eleitorais (pré-eleitoral, eleitoral e pós-eleitoral).
Dessa forma, considerou que o acórdão recorrido teria afrontado a cláusula da
anterioridade eleitoral e a garantia da segurança jurídica inerente à
necessidade de estabilidade do regime democrático, não sendo admissível a
criação, no meio do jogo democrático, de novas causas de inelegibilidade que,
para além de desigualar os concorrentes, surpreendera a todos. Registrou, por
derradeiro, que exsurgiria da ratio essendi da norma em apreço o
princípio da proteção da confiança, o qual seria o próprio postulado da
segurança jurídica, em sua dimensão subjetiva. Vencidos os Ministros Carmen
Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie que,
ao reiterar os fundamentos dos votos proferidos no julgamento do RE 630147/DF e
do RE 631102/PA (acórdãos pendentes de publicação), desproviam o recurso. Por
fim, autorizou-se que os relatores apliquem monocraticamente o art. 543-B do
CPC. Leia o inteiro teor do voto condutor na seção “Transcrições” deste
Informativo.
RE 633703/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.3.2011.
(RE-633703)
Lei “Maria da Penha”
e art. 41 da Lei 9.099/95 - 1
O Plenário denegou habeas corpus no qual pretendida a
suspensão dos efeitos da condenação imposta ao paciente, nos termos do art. 89
da Lei 9.099/95, e, em conseqüência, declarou a constitucionalidade do art. 41
da Lei 11.340/2006 (“Aos crimes praticados com violência doméstica e
familiar contra a mulher,
independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de
setembro de 1995.” ). Na espécie, o paciente fora condenado, pela
prática de contravenção penal de vias de fato (Decreto-Lei 3.688/41, art. 21, caput),
à pena de 15 dias de prisão simples, substituída por restritiva de direitos
consistente em prestação de serviços à comunidade.
HC 106212/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 24.3.2011.
(HC-106212)
Lei “Maria da Penha”
e art. 41 da Lei 9.099/95 - 2
Aduziu-se, inicialmente, que a Lei 11.340/2006 teria por escopo
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, em observância ao art.
226, § 8º, da CF (“Art. 226.
A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado. ... § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de
cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no
âmbito de suas relações.”). A esse respeito, salientou-se que a mesma lei,
em seu art. 7º, definiria como “violência doméstica e familiar contra a
mulher” não apenas a violência física, mas também a psicológica, social,
patrimonial e moral. Reputou-se, por sua vez, que o preceito contido no art. 41
da referida lei afastaria, de forma categórica, a Lei 9.099/95 de todo
processo-crime cujo quadro revelasse violência doméstica ou familiar contra a
mulher, o que abarcaria os casos de contravenção penal. No ponto, o Min. Luiz
Fux ressaltou que as causas a envolver essa matéria seriam revestidas de
complexidade incompatível com o rito sumaríssimo dos Juizados Especiais. O Min.
Marco Aurélio, relator, acrescentou que a Lei “Maria da Penha” preveria a
criação de juizados específicos para as situações de que trata e que seria
incongruente, pois, a aplicação de regras da Lei 9.099/95.
HC 106212/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 24.3.2011.
(HC-106212)
Lei “Maria da Penha”
e art. 41 da Lei 9.099/95 - 3
Assinalou-se, ademais, que o ato perpetrado pelo paciente teria
atingido não só a integridade física da mulher, mas também sua dignidade, a
qual o contexto normativo buscaria proteger. Nesse aspecto, o Min. Cezar
Peluso, Presidente, observou que o art. 98, I, da CF não conteria a definição
de “infrações penais de menor potencial ofensivo”, de modo que a lei
infraconstitucional poderia estabelecer critérios — não restritos somente à
pena cominada — aptos a incluir, ou não, determinadas condutas nesse gênero.
Entendeu-se, também, que a norma impugnada estaria de acordo com o princípio da
igualdade, na medida em que a mulher careceria de especial proteção jurídica,
dada sua vulnerabilidade, e que atenderia à ordem jurídico-constitucional, no
sentido de combater o desprezo às famílias, considerada a mulher como sua
célula básica. Destacou-se, por fim, que a pena imposta consubstanciaria mera
advertência a inibir a reiteração de práticas mais condenáveis.
HC 106212/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 24.3.2011.
(HC-106212)
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