terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Lei da “Ficha Limpa” e art. 16 da CF - 1

A Lei Complementar 135/2010 — que altera a Lei Complementar 64/90, que estabelece, de acordo com o § 9º do art. 14 da CF, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato — não se aplica às eleições gerais de 2010. Essa a conclusão do Plenário ao prover, por maioria, recurso extraordinário em que discutido o indeferimento do registro de candidatura do recorrente ao cargo de deputado estadual nas eleições de 2010, ante sua condenação por improbidade administrativa, nos termos do art. 1º, I, l, da LC 64/90, com redação dada pela LC 135/2010 [“Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: ... l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”]. Preliminarmente, reconheceu-se a repercussão geral da questão constitucional relativa à incidência da norma vergastada às eleições de 2010, em face do princípio da anterioridade eleitoral (CF, art. 16). Tendo em conta que já assentada por esta Corte a repercussão geral concernente à alínea k do mesmo diploma, aduziu-se que igual tratamento deveria ser conferido à alínea l que, embora aborde o tema com nuança diferenciada, ambas fariam parte da mesma lei, cuja aplicabilidade total fora contestada.
RE 633703/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.3.2011. (RE-633703) 

Lei da “Ficha Limpa” e art. 16 da CF - 2

No mérito, prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes, relator. Após fazer breve retrospecto histórico sobre o princípio da anterioridade eleitoral na jurisprudência do STF, reafirmou que tal postulado constituiria uma garantia fundamental do cidadão-eleitor, do cidadão-candidato e dos partidos políticos e, qualificada como cláusula pétrea, seria oponível, inclusive, em relação ao exercício do poder constituinte derivado. No tocante à LC 135/2010, asseverou a sua interferência em fase específica do processo eleitoral — fase pré-eleitoral —, a qual se iniciaria com a escolha e a apresentação de candidaturas pelos partidos políticos e encerrar-se-ia até o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral. No entanto, enfatizou que a controvérsia estaria em saber se o referido diploma limitaria os direitos e garantias fundamentais do cidadão-eleitor, do cidadão-candidato e dos partidos políticos e, dessa forma, afetaria a igualdade de chances na competição eleitoral, com conseqüências diretas sobre a participação eleitoral das minorias. Consignou que, se a resposta fosse positiva, dever-se-ia observar o princípio da anterioridade.
RE 633703/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.3.2011. (RE-633703) 

Lei da “Ficha Limpa” e art. 16 da CF - 3

O relator acrescentou que a escolha de candidatos para as eleições seria resultado de um longo e complexo processo em que mescladas diversas forças políticas. Rejeitou, assim, o argumento de que a lei impugnada seria aplicável às eleições de 2010 porque publicada antes das convenções partidárias, data em que se iniciaria o processo eleitoral. Nesse sentido, ressaltou que o princípio da anterioridade eleitoral funcionaria como garantia constitucional do devido processo legal eleitoral. Registrou, ainda, que esse mesmo princípio também teria um viés de proteção das minorias, uma vez que a inclusão de novas causas de inelegibilidades diversas das originalmente previstas na legislação, além de afetar a segurança jurídica e a isonomia inerentes ao devido processo eleitoral, influenciaria a possibilidade de que as minorias partidárias exercessem suas estratégias de articulação política em conformidade com as balizas inicialmente instituídas. No ponto, assinalou que o art. 16 da CF seria uma barreira objetiva contra abusos e desvios da maioria e, nesse contexto, destacou o papel da jurisdição constitucional que, em situações como a presente, estaria em estado de tensão com a democracia, haja vista a expectativa da “opinião pública” quanto ao pronunciamento do Supremo sobre a incidência imediata da “Lei da Ficha Limpa”, como solução para todas as mazelas da vida política. Ponderou que a missão desta Corte seria aplicar a Constituição, mesmo que contra a opinião majoritária.
RE 633703/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.3.2011. (RE-633703) 

Lei da “Ficha Limpa” e art. 16 da CF - 4

Nessa linha, manifestou-se o Min. Luiz Fux. Reputou que a lei adversada fixara novas causas de inelegibilidade em 2010, as quais não poderiam ser aplicadas no mesmo ano da eleição. Embora reconhecesse que a “Lei da Ficha Limpa” fosse um dos mais belos espetáculos democráticos, mencionou que a iniciativa popular deveria observância às garantias constitucionais. Realçou que o art. 16 da CF teria como escopo evitar surpresas no ano eleitoral, mas não disporia sobre o termo a quo específico para o início da contagem desse prazo ânuo. No ponto, afirmou que a expressão “processo eleitoral”, contida em tal preceito, referir-se-ia à dinâmica das eleições, à escolha dos candidatos e às fases eleitorais (pré-eleitoral, eleitoral e pós-eleitoral). Dessa forma, considerou que o acórdão recorrido teria afrontado a cláusula da anterioridade eleitoral e a garantia da segurança jurídica inerente à necessidade de estabilidade do regime democrático, não sendo admissível a criação, no meio do jogo democrático, de novas causas de inelegibilidade que, para além de desigualar os concorrentes, surpreendera a todos. Registrou, por derradeiro, que exsurgiria da ratio essendi da norma em apreço o princípio da proteção da confiança, o qual seria o próprio postulado da segurança jurídica, em sua dimensão subjetiva. Vencidos os Ministros Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie que, ao reiterar os fundamentos dos votos proferidos no julgamento do RE 630147/DF e do RE 631102/PA (acórdãos pendentes de publicação), desproviam o recurso. Por fim, autorizou-se que os relatores apliquem monocraticamente o art. 543-B do CPC. Leia o inteiro teor do voto condutor na seção “Transcrições” deste Informativo.
RE 633703/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.3.2011. (RE-633703)
  
Lei “Maria da Penha” e art. 41 da Lei 9.099/95 - 1

O Plenário denegou habeas corpus no qual pretendida a suspensão dos efeitos da condenação imposta ao paciente, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, e, em conseqüência, declarou a constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006 (“Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra  a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.). Na espécie, o paciente fora condenado, pela prática de contravenção penal de vias de fato (Decreto-Lei 3.688/41, art. 21, caput), à pena de 15 dias de prisão simples, substituída por restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade.
HC 106212/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 24.3.2011. (HC-106212)

Lei “Maria da Penha” e art. 41 da Lei 9.099/95 - 2

Aduziu-se, inicialmente, que a Lei 11.340/2006 teria por escopo coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, em observância ao art. 226, § 8º, da CF (“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. ... § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”). A esse respeito, salientou-se que a mesma lei, em seu art. 7º, definiria como “violência doméstica e familiar contra a mulher” não apenas a violência física, mas também a psicológica, social, patrimonial e moral. Reputou-se, por sua vez, que o preceito contido no art. 41 da referida lei afastaria, de forma categórica, a Lei 9.099/95 de todo processo-crime cujo quadro revelasse violência doméstica ou familiar contra a mulher, o que abarcaria os casos de contravenção penal. No ponto, o Min. Luiz Fux ressaltou que as causas a envolver essa matéria seriam revestidas de complexidade incompatível com o rito sumaríssimo dos Juizados Especiais. O Min. Marco Aurélio, relator, acrescentou que a Lei “Maria da Penha” preveria a criação de juizados específicos para as situações de que trata e que seria incongruente, pois, a aplicação de regras da Lei 9.099/95.
HC 106212/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 24.3.2011. (HC-106212)

Lei “Maria da Penha” e art. 41 da Lei 9.099/95 - 3

Assinalou-se, ademais, que o ato perpetrado pelo paciente teria atingido não só a integridade física da mulher, mas também sua dignidade, a qual o contexto normativo buscaria proteger. Nesse aspecto, o Min. Cezar Peluso, Presidente, observou que o art. 98, I, da CF não conteria a definição de “infrações penais de menor potencial ofensivo”, de modo que a lei infraconstitucional poderia estabelecer critérios — não restritos somente à pena cominada — aptos a incluir, ou não, determinadas condutas nesse gênero. Entendeu-se, também, que a norma impugnada estaria de acordo com o princípio da igualdade, na medida em que a mulher careceria de especial proteção jurídica, dada sua vulnerabilidade, e que atenderia à ordem jurídico-constitucional, no sentido de combater o desprezo às famílias, considerada a mulher como sua célula básica. Destacou-se, por fim, que a pena imposta consubstanciaria mera advertência a inibir a reiteração de práticas mais condenáveis.
HC 106212/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 24.3.2011. (HC-106212)

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