Contribuintes residentes ou domiciliados no estrangeiro: tratado
internacional e lei posterior - 1
O Plenário iniciou julgamento de recursos extraordinários em
que discutida a obrigatoriedade, ou não, da retenção na fonte e do recolhimento
de imposto de renda, no ano-base de 1993, quanto a dividendos enviados por
pessoa jurídica brasileira a sócio residente na Suécia. Na espécie, não
obstante a existência de convenção internacional firmada entre o Brasil e
aquele Estado, a qual assegura tratamento não discriminatório entre ambos os
países, adviera legislação infraconstitucional que permitira essa tributação
(Lei 8.383/91, art. 77 e Regulamento do Imposto de Renda de 1994 - RIR/94),
isentando apenas os lucros recebidos por sócios residentes ou domiciliados no
Brasil (Lei 8.383/91, art. 75). A pessoa jurídica pleiteara, na origem, a
concessão de tratamento isonômico entre os residentes ou domiciliados nos
mencionados Estados, com a concessão da benesse. Alegara, ainda, que, nos
termos do art. 98 do CTN, o legislador interno não poderia revogar isonomia
prevista em acordo internacional. Ocorre que o pleito fora julgado
improcedente, sentença esta mantida em sede recursal, o que ensejara a
interposição de recursos especial e extraordinário. Com o provimento do recurso
pelo STJ, a União também interpusera recurso extraordinário, em que defende a
mantença da tributação aos contribuintes residentes ou domiciliados fora do
Brasil. Sustenta, para tanto, ofensa ao art. 97 da CF, pois aquela Corte, ao
afastar a aplicação dos preceitos legais referidos, teria declarado, por órgão
fracionário, sua inconstitucionalidade. Argumenta que a incidência do art. 98
do CTN, na situação em apreço, ao conferir superioridade hierárquica aos
tratados internacionais em relação à lei ordinária, transgredira os artigos 2º;
5º, II e § 2º; 49, I; 84, VIII, todos da CF. Por fim, aduz inexistir violação
ao princípio da isonomia, dado que tanto o nacional sueco quanto o brasileiro
têm direito a isenção disposta no art. 75 da Lei 8.383/91, desde que residentes
ou domiciliados no Brasil.
RE 460320/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 31.8.2011. (RE-460320)
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O Min. Gilmar Mendes, relator, proveu o recurso extraordinário
da União e afastou a concessão da isenção de imposto de renda retido na fonte
para os não-residentes. Julgou, ademais, improcedente o pedido formulado na
ação declaratória, assentando o prejuízo do apelo extremo da sociedade
empresária. Ante a prejudicialidade da matéria, apreciou, inicialmente, o
recurso interposto pela União, admitindo-o. Assinalou o cabimento de recurso
extraordinário contra decisão proferida pelo STJ apenas nas hipóteses de
questões novas, lá originariamente surgidas. Além disso, apontou que, em se
tratando de recurso da parte vencedora (no segundo grau de jurisdição), a
recorribilidade extraordinária, a partir do pronunciamento do STJ, seria ampla,
observados os requisitos gerais pertinentes. No tocante ao art. 97 da CF, consignou
que o acórdão recorrido não afastara a aplicação do art. 77 da Lei 8.383/91 em
face de disposições constitucionais, mas sim de outras normas
infraconstitucionais, sobretudo o art. 24 da Convenção entre o Brasil e a
Suécia para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre a Renda e o
art. 98 do CTN. Isso porque essa inaplicabilidade não equivaleria à declaração
de inconstitucionalidade, nem demandaria reserva de plenário. Quanto à suposta
afronta aos artigos 2º; 5º, II e § 2º; 49, I; 84, VIII, todos da CF, após
digressão evolutiva da jurisprudência do STF relativamente à aplicação de
acordos internacionais em cotejo com a legislação interna infraconstitucional,
asseverou que, recentemente, esta Corte afirmara que as convenções
internacionais de direitos humanos têm status supralegal e que prevalecem sobre
a legislação interna, submetendo-se somente à Constituição. Salientou que, no
âmbito tributário, a cooperação internacional viabilizaria a expansão das
operações transnacionais que impulsionam o desenvolvimento econômico, o combate
à dupla tributação internacional e à evasão fiscal internacional, e
contribuiria para o estreitamento das relações culturais, sociais e políticas
entre as nações.
RE 460320/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 31.8.2011. (RE-460320)
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O relator frisou, no entanto, que, pelas peculiaridades, os
tratados internacionais em matéria tributária tocariam em pontos sensíveis da
soberania dos Estados. Demandariam extenso e cuidadoso processo de negociação,
com a participação de diplomatas e de funcionários das respectivas
administrações tributárias, de modo a conciliar interesses e a permitir que
esse instrumento atinja os objetivos de cada nação, com o menor custo possível
para a receita tributária de cada qual. Pontuou que essa complexa cooperação
internacional seria garantida essencialmente pelo pacta sunt servanda. Nesse contexto, registrou que, tanto quanto
possível, o Estado Constitucional Cooperativo reinvindicaria a manutenção da
boa-fé e da segurança dos compromissos internacionais, ainda que diante da
legislação infraconstitucional, notadamente no que se refere ao direito
tributário, que envolve garantias fundamentais dos contribuintes e cujo
descumprimento colocaria em risco os benefícios de cooperação cuidadosamente
articulada no cenário internacional. Reputou que a tese da legalidade
ordinária, na medida em que permite às entidades federativas internas do Estado
brasileiro o descumprimento unilateral de acordo internacional, conflitaria com
princípios internacionais fixados pela Convenção de Viena sobre Direito dos
Tratados (art. 27). Dessa forma, reiterou que a possibilidade de afastamento da
incidência de normas internacionais tributárias por meio de legislação
ordinária (treaty override),
inclusive em sede estadual e municipal, estaria defasada com relação às
exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual panorama
internacional. Concluiu, então, que o entendimento de predomínio dos tratados
internacionais não vulneraria os dispositivos tidos por violados. Enfatizou que
a República Federativa do Brasil, como sujeito de direito público externo, não
poderia assumir obrigações nem criar normas jurídicas internacionais à revelia
da Constituição. Observou, ainda, que a recepção do art. 98 do CTN pela ordem
constitucional independeria da desatualizada classificação em
tratados-contratos e tratados-leis.
RE 460320/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 31.8.2011. (RE-460320)
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Ressaltou, também, inexistir justificativa para a restrição da
cooperação internacional pelo Brasil por motivos de regramentos típicos de
âmbito interno. No que concerne ao art. 150, II, da CF, distinguiu a vedação à
discriminação da isonomia tributária. Mencionou que, por intermédio daquela,
prevista no tratado internacional em apreço, os Estados pactuantes acordaram
não conferir tratamento desvantajoso aos súditos do outro Estado-parte, sem
impedir, no entanto, eventual tratamento mais benéfico. Considerou, por outro
lado, que o acórdão recorrido tornara equivalentes situações incomparáveis, ao
misturar critérios distintos como a residência e a nacionalidade. Aduziu que o
elemento de conexão predominante na convenção Brasil-Suécia (art. 24) — e
geralmente tutelado na vedação à discriminação em todos os tratados contra a
bitributação da renda — seria a nacionalidade. Por sua vez, a Lei 8.383/91
utilizou a residência como critério, ao estipular a alíquota de 15% no imposto
de renda na fonte incidente sobre lucros e dividendos de residentes ou
domiciliados no exterior. Assim, enquanto os residentes no Brasil foram isentos
dessa exação por lucros e dividendos apurados em 1993 (Lei 8.383/91, art. 75),
os residentes no exterior foram tributados, independentemente da nacionalidade
do contribuinte. Logo, a legislação brasileira assegurara ao súdito sueco a
isenção, desde que residente no Brasil. Considerou que o acórdão adversado, em
ofensa ao art. 150, II, da CF, confundira o critério de conexão nacionalidade
com o de residência, uma vez que estendera a todos os súditos suecos residentes
no exterior benesses fiscais concedidas só aos residentes no Brasil. Aludiu
que, atualmente, tanto os residentes como os não residentes estariam isentos do
imposto de renda retido na fonte de rendimentos provenientes de dividendos ou
lucros distribuídos por pessoas jurídicas tributadas no Brasil (Lei 9.249/95,
art. 10). O relator arrematou, em suma, que: a) a cláusula de reserva de
plenário, contida no art. 97 da CF, não teria sido violada; b) o art. 98 do CTN
seria compatível com a nova ordem constitucional e sua subsunção, no caso, não
transgrediria os artigos 2º; 5º, II e § 2º; 49, I; 84, VIII, todos da CF; e c)
a extensão concedida pelo STJ ofenderia o art. 150, II, da CF, por ampliar, aos
súditos suecos, tratamento não concedido aos nacionais brasileiros. Após, pediu
vista o Min. Dias Toffoli.
RE 460320/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 31.8.2011. (RE-460320)
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