A 2ª Turma retomou julgamento de recurso extraordinário em que viúva de
deputado estadual pretende o reconhecimento de anistia constitucional em
favor de seu falecido marido e a consequente devolução dos bens
supostamente confiscados por motivação política — v. Informativos 455 e
467. Em voto-vista, o Min. Cezar Peluso dissentiu do relator, Min.
Gilmar Mendes, para dar provimento ao recurso. Verificou haver asserção,
no processo criminal pelos mesmos fatos, de que, conquanto formalmente
observado o trâmite da investigação sumária efetivada pela Comissão
Geral de Investigação – CGI, existiria injustiça na sua conclusão.
Assim, asseverou que o recurso não envolveria discussão sobre a
qualificação jurídica do ato de confisco, cujo caráter de exceção seria
vistoso e indiscutível, mas estaria apenas em saber se, à luz desse
benefício, o então autor teria jus à restituição dos bens confiscados.
Sintetizou anistia como ato que, oriundo, em geral, do Poder
Legislativo, extinguiria as sanções cabíveis ou os consectários das já
impostas em virtude da prática de atos considerados ilícitos do ponto de
vista penal, administrativo ou político. Explicou que seu propósito
jurídico estrito seria subtrair eficácia às reprimendas previstas em
lei, quer para inibir-lhes a aplicabilidade, quer para
desconstituir-lhes, quando possível, os resultados de eventual
incidência.
Reputou incontroverso que, dentro do período previsto pela Constituição,
o autor teria sido atingido na sua esfera cívica e patrimonial, em
virtude de motivação exclusivamente política, por atos de exceção. Logo,
dessumiu que, de modo algum, poderia dizer-se não ter sido alcançado
pela norma do art. 8º, caput, do ADCT. Isso porque, além do mandato
parlamentar, cuja cassação exaurira seus efeitos jurídicos, perdera os
bens físicos, cuja espoliação ainda perseveraria como resultado do
confisco, fundado na razão residual puramente política de ser, à época,
opositor do regime autoritário. Nesse contexto, avaliou que a tese de
que a regra em comento só apanharia e beneficiaria os servidores
públicos e trabalhadores da iniciativa privada que tiveram a situação
funcional alterada por atos de exceção decorrentes de motivação tão
somente política afigurar-se-ia contrária não só a exigências concretas e
intuitivas de justiça, mas também a todos os princípios jurídicos que
regeriam a matéria.
Salientou que as hipóteses constantes do dispositivo seriam apenas as de
mais largo espectro, por compreenderem maior número de pessoas
injuriadas pela rotina punitiva do regime. Igualmente, explanou que esse
seria o motivo da especificação normativa do instituto, cuja
explicitação, ditada pela necessidade de fixar o alcance da anistia a
esse conjunto particularizado de pessoas, não poderia significar
expressão numerus clausus, dado que: a) seria contraditória com a
própria racionalidade do ato político em questão, que tenderia a
restaurar a condição jurídica de todas as pessoas prejudicadas por
práticas de exceção; b) não se encontraria outra exegese no texto
normativo, que aludiria, sem restrições, nem condições — ressalvadas as
constantes dos parágrafos, impertinentes no caso —, a toda a classe dos
que teriam sido atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente
política, por atos de exceção; e c) seria sempre generosa a
interpretação da anistia, em especial a política, na medida em que
proveria, por definição, de gesto amplo de liberalidade e indulgência.
Citou doutrina no sentido de que anistia política deveria ser
interpretada de forma abrangente, haja vista que, inspirada pelos
elevados propósitos de remediar violências suportadas por grupos
minoritários, de conciliar espíritos e de promover a paz social, não
poderia ser concebida, nem interpretada em termos mesquinhos. Em
consonância com essa orientação, relembrou julgado no qual a Corte
assentara a vastidão imanente ao art. 8º do ADCT (RE 170934/GO, DJU de
10.8.1999).
Outrossim, constatou que o deputado fora absolvido em juízo de todas as
acusações — cuja idêntica imputação fundamentara o decreto de confisco
na esfera administrativa —, com base no reconhecimento formal da
inexistência dos fatos. Nestes termos, rememorou precedente do STF,
mediante o qual, indubitavelmente, seriam independentes as instâncias
penal e administrativa, de modo que só repercutiria aquela nesta quando
se manifestasse pela inexistência material do fato ou pela negativa de
sua autoria. Sublinhou que, diante daquela res iudicata, a decisão
administrativa revelara-se despida de substrato de validez e só se
mantivera em virtude da força contemporânea do agressor e da fragilidade
do agredido. Sobrelevou que, se apreendidos na esfera penal, os bens
seriam restituídos ao réu, pois absolvido em definitivo. Dessa forma, a
fortiori, não se conceberia que continuassem subtraídos por órgão
estranho ao Poder Judiciário, sob regime de exceção, com apoio em
arguição de fato ilícito inexistente. Entretanto, considerou não ser
possível a restituição dos bens, tendo em conta a destinação pública que
lhes fora atribuída, porque, em um dos terrenos erigira-se quartel do
Exército e, em outro, sede de empresa estatal. Por isso, solucionou a
questão ao determinar à União que indenizasse em espécie, cujo valor
atualizado fosse apurado em liquidação de sentença (CPC, art. 475-A).
Após, o relator indicou adiamento.
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