sábado, 29 de setembro de 2012


Anistia: deputado estadual e confisco de bens - 3


A 2ª Turma retomou julgamento de recurso extraordinário em que viúva de deputado estadual pretende o reconhecimento de anistia constitucional em favor de seu falecido marido e a consequente devolução dos bens supostamente confiscados por motivação política — v. Informativos 455 e 467. Em voto-vista, o Min. Cezar Peluso dissentiu do relator, Min. Gilmar Mendes, para dar provimento ao recurso. Verificou haver asserção, no processo criminal pelos mesmos fatos, de que, conquanto formalmente observado o trâmite da investigação sumária efetivada pela Comissão Geral de Investigação – CGI, existiria injustiça na sua conclusão. Assim, asseverou que o recurso não envolveria discussão sobre a qualificação jurídica do ato de confisco, cujo caráter de exceção seria vistoso e indiscutível, mas estaria apenas em saber se, à luz desse benefício, o então autor teria jus à restituição dos bens confiscados. Sintetizou anistia como ato que, oriundo, em geral, do Poder Legislativo, extinguiria as sanções cabíveis ou os consectários das já impostas em virtude da prática de atos considerados ilícitos do ponto de vista penal, administrativo ou político. Explicou que seu propósito jurídico estrito seria subtrair eficácia às reprimendas previstas em lei, quer para inibir-lhes a aplicabilidade, quer para desconstituir-lhes, quando possível, os resultados de eventual incidência.



Reputou incontroverso que, dentro do período previsto pela Constituição, o autor teria sido atingido na sua esfera cívica e patrimonial, em virtude de motivação exclusivamente política, por atos de exceção. Logo, dessumiu que, de modo algum, poderia dizer-se não ter sido alcançado pela norma do art. 8º, caput, do ADCT. Isso porque, além do mandato parlamentar, cuja cassação exaurira seus efeitos jurídicos, perdera os bens físicos, cuja espoliação ainda perseveraria como resultado do confisco, fundado na razão residual puramente política de ser, à época, opositor do regime autoritário. Nesse contexto, avaliou que a tese de que a regra em comento só apanharia e beneficiaria os servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada que tiveram a situação funcional alterada por atos de exceção decorrentes de motivação tão somente política afigurar-se-ia contrária não só a exigências concretas e intuitivas de justiça, mas também a todos os princípios jurídicos que regeriam a matéria.

Salientou que as hipóteses constantes do dispositivo seriam apenas as de mais largo espectro, por compreenderem maior número de pessoas injuriadas pela rotina punitiva do regime. Igualmente, explanou que esse seria o motivo da especificação normativa do instituto, cuja explicitação, ditada pela necessidade de fixar o alcance da anistia a esse conjunto particularizado de pessoas, não poderia significar expressão numerus clausus, dado que: a) seria contraditória com a própria racionalidade do ato político em questão, que tenderia a restaurar a condição jurídica de todas as pessoas prejudicadas por práticas de exceção; b) não se encontraria outra exegese no texto normativo, que aludiria, sem restrições, nem condições — ressalvadas as constantes dos parágrafos, impertinentes no caso —, a toda a classe dos que teriam sido atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção; e c) seria sempre generosa a interpretação da anistia, em especial a política, na medida em que proveria, por definição, de gesto amplo de liberalidade e indulgência. Citou doutrina no sentido de que anistia política deveria ser interpretada de forma abrangente, haja vista que, inspirada pelos elevados propósitos de remediar violências suportadas por grupos minoritários, de conciliar espíritos e de promover a paz social, não poderia ser concebida, nem interpretada em termos mesquinhos. Em consonância com essa orientação, relembrou julgado no qual a Corte assentara a vastidão imanente ao art. 8º do ADCT (RE 170934/GO, DJU de 10.8.1999).

Outrossim, constatou que o deputado fora absolvido em juízo de todas as acusações — cuja idêntica imputação fundamentara o decreto de confisco na esfera administrativa —, com base no reconhecimento formal da inexistência dos fatos. Nestes termos, rememorou precedente do STF, mediante o qual, indubitavelmente, seriam independentes as instâncias penal e administrativa, de modo que só repercutiria aquela nesta quando se manifestasse pela inexistência material do fato ou pela negativa de sua autoria. Sublinhou que, diante daquela res iudicata, a decisão administrativa revelara-se despida de substrato de validez e só se mantivera em virtude da força contemporânea do agressor e da fragilidade do agredido. Sobrelevou que, se apreendidos na esfera penal, os bens seriam restituídos ao réu, pois absolvido em definitivo. Dessa forma, a fortiori, não se conceberia que continuassem subtraídos por órgão estranho ao Poder Judiciário, sob regime de exceção, com apoio em arguição de fato ilícito inexistente. Entretanto, considerou não ser possível a restituição dos bens, tendo em conta a destinação pública que lhes fora atribuída, porque, em um dos terrenos erigira-se quartel do Exército e, em outro, sede de empresa estatal. Por isso, solucionou a questão ao determinar à União que indenizasse em espécie, cujo valor atualizado fosse apurado em liquidação de sentença (CPC, art. 475-A). Após, o relator indicou adiamento.

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