Ao salientar a singular gravidade do cenário fático-jurídico da
situação em apreço, o Plenário, por maioria, deu provimento a agravo regimental
para revogar medida liminar concedida pelo Min. Luiz Fux, em mandado de
segurança do qual relator.
Trata-se de writ impetrado por deputado
federal contra ato da Mesa Diretora do Congresso Nacional consubstanciado na
aprovação de requerimento de urgência para exame do Veto Parcial 38/2012,
aposto pela Presidente da República ao Projeto de Lei 2.565/2011, que dispõe
sobre a distribuição entre os entes federados de royalties relativos à
exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos.
Sustenta-se, em síntese, violação ao devido processo legislativo por
inobservância ao art. 66, §§ 4º e 6º, da CF (“Art. 66. ... § 4º - O veto
será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu
recebimento só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos
Deputados e Senadores, em escrutínio secreto. ... § 6º - Esgotado sem
deliberação o prazo estabelecido no §4º, o veto será colocado na ordem do dia
da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final”)
e a dispositivos do Regimento Comum do Congresso Nacional.
A decisão agravada
determinara àquele órgão que se abstivesse de deliberar acerca do veto
presidencial antes que se procedesse à apreciação, em ordem cronológica de
recebimento da respectiva comunicação, de todos os vetos pendentes com prazo
constitucional de análise expirado até a data da concessão da medida acauteladora.
De início, assentou-se a legitimatio ad causam do
impetrante, bem como a adequação da via eleita.
Destacou-se jurisprudência do
STF segundo a qual o parlamentar no pleno exercício de mandato eletivo
ostentaria legitimidade para impetrar mandado de segurança com a finalidade de
prevenir atos no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais
incompatíveis com o processo legislativo constitucional.
O Min. Luiz Fux aduziu
inexistir alegação de inconstitucionalidade como causa de pedir, mas sim de
pleito que visaria obstar a prática de ato em desacordo com a Constituição. Os
Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello
ressaltaram a pertinência do instrumento escolhido e o direito público
subjetivo de deputado federal invocar a tutela jurisdicional do Estado quando
não atendidos os ditames constitucionais do processo legislativo.
O Min. Celso
de Mello acresceu que a índole política dos atos e dos procedimentos
parlamentares, por si só, não bastaria para subtraí-los à esfera do controle
jurisdicional.
O Min. Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que o caso não
envolveria a defesa de direito líquido e certo, porém diria respeito a mandado
de segurança com perfil especial, utilizado para resolver típico conflito de
atribuições. Em divergência, os Ministros Teori Zavascki e Rosa Weber
consignavam o não cabimento do mandado de segurança como meio de controle
preventivo de constitucionalidade, formal ou material, de atos normativos, em
especial, se o impetrante não estiver incluído no rol de legitimados previsto
no art. 103 da CF. O Min. Teori Zavascki frisou não estar em jogo tutela a
direito líquido e certo ameaçado ou violado por ato de autoridade (direito
subjetivo) e, tampouco, a prerrogativa do cargo de parlamentar, já que o
impetrante objetivaria a proteção da higidez do processo legislativo.
No tocante ao exame da liminar, prevaleceu o voto do Min. Teori
Zavascki.
Obtemperou que os argumentos de ofensa a normas regimentais não
mereceriam consideração, notadamente em juízo de delibação.
Quanto às cláusulas
constitucionais que disciplinariam a votação sobre o veto presidencial (CF,
art. 66, §§ 4º e 6º), concordou com o Relator que teriam sido descumpridas.
Mencionou que a sanção acarretada pelo não atendimento do prazo fixado na
Constituição (prazo peremptório) atrairia, de forma automática e sem
formalidade ou necessidade de manifestação de vontade, a colocação do veto na
ordem do dia, sobrestadas as demais proposições até sua votação final.
Registrou, no ponto, que essa imposição alcançaria não apenas a votação de
outros vetos, mas sim todas as demais proposições de competência do Congresso
Nacional.
Aludiu a informações sobre a inércia parlamentar, tendo em vista a
existência, nos dias de hoje, de mais de 3000 vetos pendentes de análise,
alguns com prazo vencido há cerca de 13 anos. Assinalou que esse quadro
mostrar-se-ia mais grave quando levado em conta que a estrita observância dos
preceitos constitucionais do processo legislativo configuraria pressuposto de
validade dos correspondentes atos normativos.
Dessumiu que a aplicação rígida
dos referidos artigos constitucionais, com eficácia retroativa, não apenas
imporia futuro caótico para a atuação daquela Casa Legislativa — a paralisar
nova deliberação, exceto a de vetos pendentes por ordem de vencimento —, assim
como causaria insegurança jurídica sobre as deliberações tomadas pelo Congresso
Nacional nos últimos 13 anos.
Ademais, explicitou a relação de compatibilidade material que
deveria ocorrer entre a decisão liminar e a sentença final, a limitar o juízo
de verossimilhança, que consistiria na alta probabilidade de atendimento pela
sentença definitiva da providência objeto de antecipação. Reputou que a questão
em debate seria semelhante à enfrentada pelo STF no julgamento da ADI 4029/DF
(DJe de 27.6.2012), razão pela qual tudo estaria a indicar o acolhimento de
solução similar.
A par disso, concluiu que, embora a Corte pudesse vir a
declarar a inconstitucionalidade da prática até agora adotada pelo Congresso
Nacional no processo legislativo de apreciação de vetos, dever-se-ia atribuir à
decisão eficácia ex nunc.
Excluir-se-iam as deliberações tomadas, os
vetos presidenciais apreciados e os que já tivessem sido apresentados, mas
pendentes de exame. Alinhavou que, sendo essa a decisão definitiva mais
provável, a medida liminar deveria, desde logo, com ela se compatibilizar.
Desse modo, a improbabilidade de êxito retiraria da impetração o indispensável
requisito da verossimilhança.
A Min. Rosa Weber acentuou, com relação às normas regimentais,
jurisprudência do Supremo no sentido de que sua eventual afronta caracterizaria
matéria interna corporis.
O Min. Dias Toffoli acrescentou que o pedido
final cingir-se-ia à afirmação de existência de fila de vetos em ordem
cronológica, histórica ou, ao menos, na presente sessão legislativa. Nesse
tocante, não vislumbrou, da leitura do §6º do art. 66 da CF, a imposição de
ordem cronológica de votação, de maneira a subtrair-se do Congresso Nacional a
pauta política de votar o veto quando e na ordem que lhe aprouvesse. Evidenciou
que, na espécie, o prazo constitucionalmente previsto não estaria exaurido e,
portanto, teria dificuldades em proferir decisão que impediria outro Poder de
deliberar.
O Min. Ricardo Lewandowski, outrossim, não entreviu exigência de ordem
cronológica na apreciação de vetos. Ressaiu que o constituinte ao referir-se à
ordem cronológica, fizera-o em termos explícitos (CF, art. 100; ADCT, art. 86,
§§ 1º e 3º; art. 97, §§ 6º e 7º). Sinalizou dúvida sobre o termo inicial em que
se contaria o prazo de 30 dias para trancamento da pauta: se da comunicação do
Presidente da República ao Presidente do Senado ou se do recebimento do veto
pelo Plenário do Congresso Nacional. Destacou que, entre esses marcos, haveria iter
complexo, disposto no art. 104 do Regimento Comum daquela Casa. Além disso,
sublinhou que o impetrante não trouxera informação sobre a existência de data
definida para o exame do referido veto presidencial.
A Min. Cármen Lúcia
distinguiu os requisitos da liminar em mandado de segurança — expressos
taxativamente no art. 7º, III, da Lei 12.016/2009 — de outras formas cautelares
no processo civil em geral. Realçou a necessidade de ocorrência de relevante
fundamento para que se transcendesse o aguardo do julgamento final. Entendeu
que a manutenção da liminar poderia gerar conjuntura mais gravosa ao
Parlamento, à sociedade brasileira e ao Direito.
O Min. Gilmar Mendes
sobressaiu que, se a Corte estivesse a apreciar o mérito, pronunciar-se-ia pelo
não recebimento do §1º do art. 104 do Regimento Comum do Congresso Nacional (“§1º
O prazo de que trata o §4º do art. 66 será contado a partir da sessão convocada
para conhecimento da matéria”). De igual modo, também não inferia da
Constituição a necessidade de observância cronológica.
Vencidos os Ministros Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello e
Joaquim Barbosa, Presidente, que mantinham a decisão agravada. O Relator
considerava inconstitucional a deliberação aleatória dos vetos presidenciais
pendentes de análise legislativa, cuja simples existência subtrairia do Poder
Legislativo a autonomia para definição da respectiva pauta política (CF, art.
66, §6º). Ressurtia ser necessária a deliberação dos vetos presidenciais em
ordem cronológica de comunicação ao Congresso Nacional, a resultar na
apreciação do Veto Parcial 38/2012 somente após a análise daqueles com prazo
constitucional expirado. Aludia, ainda, à cognoscibilidade, em sede
mandamental, das assertivas de transgressão à disciplina das regras dos
regimentos das Casas Legislativas. Pontuava que, pela qualidade de normas jurídicas,
elas reclamariam instrumentos jurisdicionais idôneos a resguardar-lhes a
efetividade. Repelia, em consequência, a doutrina das questões interna
corporis ante sua manifesta contrariedade ao Estado de Direito (CF, art.
1º, caput) e à proteção das minorias parlamentares. Arrematava que a
leitura do citado veto, em regime de urgência, violaria as disposições
regimentais que impediriam a discussão de matéria estranha à ordem do dia e a
deliberação do veto sem prévio relatório da comissão mista. O Min. Marco
Aurélio ressaltava que a concessão da liminar não teria implicado o trancamento
da pauta do Congresso. O Min. Celso de Mello reiterava que nenhum Poder da
República teria legitimidade para desrespeitar a Constituição ou para ferir
direitos públicos e privados de seus cidadãos. Além disso, consignava que o
debate envolveria típica situação de inconstitucionalidade por omissão, a
comprometer a força normativa da Constituição. Mencionava a prática
institucional em que o Congresso Nacional diminuir-se-ia perante o Poder
Executivo ao não exercer o dever que lhe incumbiria, pela Constituição, de
apreciar os vetos presidenciais, o que os transformaria, de superáveis e
relativos, em absolutos. Nessa mesma linha, pronunciou-se o Presidente ao citar
que se estaria diante de exemplo da hipertrofia do Poder Executivo, em face da
abdicação, pelo Congresso Nacional, de suas prerrogativas.
MS 31816
AgR-MC/DF, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Teori
Zavascki, 27.2.2013. (MS-31816)
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