O Plenário retomou julgamento conjunto de recursos
extraordinários em que se discute a constitucionalidade do § 1º do art. 30 da
Lei 7.730/89 [“Art. 30. No período-base de 1989, a pessoa jurídica
deverá efetuar a correção monetária das demonstrações financeiras de modo a
refletir os efeitos da desvalorização da moeda observada anteriormente à
vigência desta Lei. § 1º Na correção monetária de que trata este artigo a
pessoa jurídica deverá utilizar a OTN de NCz$ 6,92 (seis cruzados novos e
noventa e dois centavos)”] e do art. 30 da Lei 7.799/89 (“Art. 30. Para
efeito de conversão em número de BTN, os saldos das contas sujeitas à correção
monetária, existente em 31 de janeiro de 1989, serão atualizados
monetariamente, tomando-se por base o valor da OTN de NCz$ 6,62” ) — v. Informativos 426 e 427. O Min. Cezar Peluso,
em voto-vista, acompanhou o Min. Marco Aurélio, relator, e deu provimento ao
recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade dos referidos
dispositivos, no que foi seguido pela Min. Rosa Weber. Assentou que o índice
aplicável deveria refletir a variação do IPC de 70,28%, com a regência da
matéria a cargo da legislação anterior. Refutou o argumento de que se valera o
Tribunal a quo, segundo o qual a constitucionalidade do índice
deveria ser reconhecida em razão da “falta de índice” que solução diversa
acarretaria. Aduziu que não se poderia declinar da aferição da compatibilidade
da norma com a Constituição, o que se daria essencialmente no plano da
validade, diante de eventuais dificuldades práticas decorrentes desse juízo.
Entendeu que a questão deveria ser apreciada pelo Supremo, pois as normas
objurgadas guardariam aptidão para afrontar, diretamente, a Constituição, uma
vez que os próprios preceitos legais, que versassem sobre correção monetária,
seriam passíveis de ter a constitucionalidade estimada, na medida em que
poderiam implicar, por si mesmos, distorção da noção constitucional de renda e
degeneração da base de cálculo do imposto.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-256304)
Plano Verão: IRPJ e correção monetária
de balanço - 5
Aludiu que a circunstância de a correção monetária dirigir-se à
modificação de valores nominais teria inegáveis consequências na determinação
da materialidade e na fixação da base de cálculo do tributo, e, deste modo,
atingiria a aferição da capacidade contributiva dos agentes econômicos. Esse
ponto de vista seria corroborado pela percepção de que a norma pretensamente
visaria à correção de balanços, mas também teria inegáveis finalidades
fiscal-arrecadatórias. Não se conceberia ofensa indireta por lei que
modificaria, escancaradamente, a base de cálculo e a materialidade de um
imposto. Exigir-se-ia, na hipótese, juízo de constitucionalidade da própria
norma, isto é, confrontação direta do texto legal com a Constituição. Não haveria
nenhuma mediação normativa, uma vez que a decisão atacada feriria de modo
direto a Constituição. Inviável, pois, falar-se em ofensa indireta ou reflexa,
o recurso deveria ser admitido pela letra a do inciso III do art. 102 da
CF. Observou que seria outro equívoco pensar que a decretação da
inconstitucionalidade de índice implicaria atuação do Tribunal como legislador
positivo. A atividade jurisdicional poderia exaurir-se no simples
reconhecimento da inconstitucionalidade das leis. Ao afastar-lhes a incidência,
deixar-se-ia a disciplina da correção monetária aos “índices oficiais” da
época. Destarte, atuar-se-ia nos estreitos limites do mister reservado ao
legislador negativo. Além disso, como o índice adotado pela legislação em
comento colidiria com a Constituição, nada impediria que se rejeitasse esse
padrão adulterado e se declarasse a validade de outro índice oficial que, de
maneira correta, expressasse em valores reais os elementos do patrimônio e a
base imponível do Imposto de Renda - IR.
Feitas essas considerações, indagou se o índice, da forma como
determinado pelas leis, feriria a Constituição. Para tanto, necessário
investigar se o núcleo semântico “renda” teria sido desrespeitado pelas ordens
expressas no art. 30, § 1º, da Lei 7.730/89 e no art. 30 da Lei 7.799/89, ao
determinarem correção monetária de balanços em níveis inferiores à efetiva
perda de valor da moeda.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-256304)
Plano Verão: IRPJ e correção monetária
de balanço - 6
Afirmou que os sentidos licitamente atribuíveis à expressão
“renda” seriam limitados, de sorte a não transpor aquilo que se denominaria
“conteúdo semântico mínimo”. Avaliou que a construção da noção jurídica
completa de renda não se esgotaria na previsão geral da Constituição, que
exigiria normas inferiores que se aproximassem, em grau crescente de concreção,
dos fatos jurídicos tributários. Entretanto, a Constituição demarcaria
rigidamente os contornos do tributo, de modo que as normas
infraconstitucionais, em especial as leis complementar (CTN) e ordinária, não
poderiam afastar-se da compreensão constitucional do termo “renda”. Como a
noção substancial de “renda” estaria na Constituição, desnecessário reportar-se
a conceitos veiculados por diplomas normativos de hierarquia inferior, pois de
outra forma se estaria a interpretar a Constituição à luz de normas
subalternas. Deste modo, deveria ser extraído da Constituição o substrato da
noção de “renda”, que gozaria de proteção e guarda do STF, a quem incumbiria
preservar o núcleo semântico-jurídico primordial da parcela de realidade fática
econômica representada pelo aludido vocábulo e extirpar do ordenamento e do
campo de competência da União tudo quanto não pudesse, sob nenhum critério
racional, ser concebido como renda, sem implicar atuação do Judiciário como
legislador positivo. Sublinhou que se estaria, novamente, diante de situações
em que impenderia declarar a inconstitucionalidade de lei em razão do extravasamento
dos marcos encravados no texto constitucional. Por outro lado, a repartição das
competências tributárias estaria traçada de forma nítida no texto
constitucional, de maneira que não se poderia confundir nem aproximar as
diversas materialidades definidoras de competências, como se entre elas não houvesse
consideráveis dessemelhanças. Assim, não seria lícito tomar por renda — que tem
conformação conceitual mínima — nenhum pressuposto de fato que desencadeasse
outras competências, tal como “receita”, “faturamento”, “lucro”, “patrimônio”,
nem pressuposto de fato que não desencadeasse competência alguma como, por exemplo,
meros ingressos ou simples trânsito de valores. Portanto, seria preciso
averiguar se a disposição concreta da correção monetária em níveis inferiores à
efetiva desvalorização da moeda ultrapassaria os limites a que se deveria
adstringir. Caso se procedesse a essa análise, o Supremo deveria reconhecer que
o descompasso entre os valores real e nominal causado pela correção monetária
em níveis inferiores aos da efetiva desvalorização da moeda agrediria a
previsão constitucional de “renda”, por permitir a tributação daquilo que, a
rigor, renda não seria, mas, sim, patrimônio.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-256304)
Plano Verão: IRPJ e correção monetária
de balanço - 7
Ressaltou que não se negaria haver majoração de tributo
incidente sobre a renda. Contudo, seria questionável a maneira velada e
distorcida pela qual isso se dera, no caso vertente, por meio de correção
insuficiente dos valores. Não se teria procedido a aumento transparente de base
de cálculo ou de alíquota cuja alteração poderia ser muito mais facilmente detectada,
e eventualmente repudiada, pela sociedade. Ao contrário, almejado ao mesmo
resultado, mas de forma tortuosa e proditória — a deturpação do instituto da
correção monetária das demonstrações financeiras. Corrigir os balanços
empresariais monetariamente teria por função minorar os impactos negativos
decorrentes da inflação, que conduziria à formação de lucros fictícios e à
inevitável imposição de tributo sobre valores diversos da renda real. No caso, o
Plano Verão, a par de determinar a extinção da correção monetária das demonstrações
financeiras, estabeleceria retroativamente, por meio do art. 30 da Lei
7.730/89, a OTN como indexador de atualização monetária, em valor fixo de NCz$
6,92, feita sobre bases irreais, divorciadas da real inflação do período, em
nítida afronta às garantias constitucionais invocadas.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-256304)
Plano Verão: IRPJ e correção monetária
de balanço - 8
Advertiu que determinar qual padrão a ser utilizado
consubstanciaria problema a resolver-se não só à luz do estatuto constitucional
do IR, mas também da disciplina anterior da matéria, dada pelo Decreto-Lei
2.341/87, cujo art. 2º expressaria o objetivo da correção monetária das
demonstrações financeiras (“A correção monetária das demonstrações
financeiras tem por objetivo expressar, em valores reais, os elementos patrimoniais
e a base de cálculo do Imposto de Renda de cada período-base”). Diante da
inconstitucionalidade da norma pretensamente revogadora, constante na Lei
7.730/89, dever-se-ia reconhecer que o mecanismo previsto no decreto-lei não
fora extirpado do ordenamento jurídico pela Lei 7.730/89. Deveria continuar em
vigência até que norma superveniente — válida — o derrogasse. Idêntico
raciocínio aplicar-se-ia, por vícios semelhantes, à também maculada Lei
7.799/89. Consignou que a inflação efetiva teria alcançado 70,28% no período, o
equivalente a uma OTN de NCz$ 10,50. Assim, inegável que esta inflação real não
se refletiria na correção determinada pela OTN fixada em NCz$ 6,92.
Cumprir-se-ia, para evitar non liquet, determinar qual o índice oficial
vigente à época, e sua correspondente expressão numérica. Portanto, além da
declaração de inconstitucionalidade do índice viciado, pelos expurgos que
promovera, remanesceria problema de ordem prática a ser resolvido: a
determinação, em concreto, do índice oficial vigente, necessariamente, reflexo
da inflação oficial do período, da inflação real.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-256304)
Plano Verão: IRPJ e correção monetária
de balanço - 9
Tendo em vista a coincidência entre a inflação acumulada no
trimestre, apontada por 3 dos mais reconhecidos e acatados índices de sua
mensuração (IPC do IBGE; IPC e IGP, ambos da FGV), reputou evidente que a
variação de 70,28% no período de início de dezembro a meados de janeiro seria a
única que conduziria à real majoração de preços do interregno. Isso porque seu
cálculo, trimestralizado, levaria a variação praticamente idêntica à indicada
por outras métricas de inflação: o IPC e o IGP da FGV. Asseverou que a correção
monetária não poderia ser confundida com benefício fiscal, pois representaria
atualização, imprescindível em cenário de inflação, que se aplicaria a valores
nominais para fins de que se atrelassem à efetiva variação do poder aquisitivo
da moeda. Ponderou, sob a ótica tributária, se os patamares e métodos previstos
pela legislação conviveriam, harmoniosamente, com os ditames constitucionais
tributários, uma vez que a insuficiência (ou, a fortiori, a inexistência)
de correção monetária, em contexto altamente inflacionário, geraria, pela
própria função e natureza do instituto, descompasso insustentável entre valores
nominais e reais, a subverter o sistema constitucional tributário, no que toca
a tributação da renda.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-256304)
Plano Verão: IRPJ e correção monetária
de balanço - 10
Consideradas todas as ponderações anteriores, seria forçosa a
conclusão de que, sob cenário de inflação elevada, a previsão de índice de
correção abaixo da inflação acarretaria imposição tributária sobre algo que,
definitivamente, não seria renda, o que teria ocorrido: a fixação de índice
inidôneo (em NCz$ 6,92), aquém da desvalorização efetiva da moeda, gerara
graves distorções (tributação de lucros inexistentes), alterara a natureza
específica do tributo (que passara a incidir sobre o patrimônio), a
desrespeitar a divisão de competências do texto magno. Como a exação teria
recaído sobre índice de riqueza diverso daqueles que integrariam o rol das
competências tributárias expressamente distribuídas pela Constituição, haveria
defeito no desenho da exação, sob o prisma da legalidade, pois, para incidir
sobre o patrimônio das empresas, deveria ter obedecido à técnica da competência
residual da União — que requer lei complementar, conforme o art. 154, I, da CF.
Vislumbrou, outrossim, desrespeito à capacidade contributiva da empresa, haja
vista que as fronteiras da noção geral de renda teriam sido ultrapassadas.
Tornar-se-ia evidente que vedar à empresa o direito de deduzir, em montante
adequado, despesas referentes à correção monetária, equivaleria a obrigá-la a
recolher imposto sobre algo que não seria renda, o único índice presuntivo de
riqueza que o IR poderia alcançar. Evidenciou, ademais, ofensa ao princípio da
igualdade, em virtude da aplicação do IPC a pessoas jurídicas envolvidas em
operações de incorporação, fusão ou cisão, prevista no art. 31 da Lei 7.799/89,
sem que o critério de discrimen (ter participado das mencionadas operações)
fosse justificável. Além das referidas inconstitucionalidades perpetradas pelas
leis em análise, teriam sido violados, ainda, os princípios da anterioridade e
da irretroatividade. Ferir-se-ia o disposto do art. 150, III, b, da CF,
porque a majoração do tributo, consistente na coarctação da possibilidade de
reconhecimento de correção monetária adequada, teria sido implementada para que
valesse no próprio exercício. Demais disso, ignorarar-se-ia a garantia da
irretroatividade, prevista no art. 150, III, a, da CF, na medida em que
as disposições legais teriam se voltado a colher fatos pretéritos, ainda que
sob o falso pretexto de “refletir os efeitos da desvalorização da moeda
observada anteriormente à vigência desta Lei” (Lei 7.730/89, art. 30).
Quanto ao RE 256304/RS, o Min. Cezar Peluso assentou aplicação do índice
conforme o pedido do recurso interposto que, no caso, seria menor que o IPC de
70,28%, no que foi seguido pela Min. Rosa Weber. Após, pediu vista o Min. Dias
Toffoli.
RE 208526/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-208526)
RE 256304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 20.6.2012.
(RE-256304)
Nenhum comentário:
Postar um comentário