O Plenário iniciou julgamento conjunto de recursos
extraordinários — interpostos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS —
em que se discute, à luz do art. 203, V, da CF (“Art. 203. A
assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: ... V - a garantia de um
salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso
que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, conforme dispuser a lei”), a concessão de
benefício assistencial a idoso e a pessoa com deficiência, considerado o
cálculo de renda familiar per capita estipulado pelo art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/93 [“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de
um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e
cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família ... § 3º Considera-se incapaz
de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda
mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”] e
pelo art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 [“Art. 34. Aos idosos, a
partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua
subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício
mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência
Social - Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da
família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda
familiar per capita a que se refere a Loas”].
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012.
(RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
Benefício de prestação continuada:
tutela constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 2
O Min. Marco Aurélio, relator do RE 567985/MT, tendo em conta
as particularidades reveladas na decisão recorrida, negou provimento ao
recurso. Destacou que o benefício previsto no art. 203, V, da CF, seria
especialização dos princípios maiores da solidariedade social e da erradicação
da pobreza, versados no art. 3º, I e III, da CF. Ademais, concretizaria a
assistência aos desamparados, estampada no art. 6º, caput, do mesmo
diploma. Portanto, ostentaria a natureza de direito fundamental. Lembrou que o
constituinte assegurara a percepção de um salário mínimo por mês aos
deficientes e aos idosos, bem como exigira-lhes a comprovação de não possuírem
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela família, nos
termos legais. Observou que o STF, na ADI 1232/DF (DJU de 9.9.98), assentara a constitucionalidade
do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93. Considerou desejável que certos conteúdos
constitucionais fossem interpretados à luz da realidade concreta da sociedade e
afirmou que a lei teria papel crucial na definição de limites para a manutença
da normatividade constitucional. Rememorou caber à Corte, entretanto, sopesar
as concretizações efetuadas pelo legislador. Na tensão entre a normatividade
constitucional, a infraconstitucional e a facticidade inerente ao fenômeno
jurídico, incumbiria ao Supremo resguardar a integridade da Constituição.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012.
(RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
Benefício de prestação continuada:
tutela constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 3
Aduziu que a cláusula constitucional “não possuir meios de
prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”
objetivaria conferir proteção social àqueles incapazes de garantir a respectiva
subsistência, à luz da dignidade humana e de outros princípios já referidos.
Invocou doutrina no sentido de que aquele postulado seria decomposto em três
elementos: a) valor intrínseco; b) autonomia; e c) valor comunitário. Em
relação ao primeiro deles, consignou que a dignidade requereria o
reconhecimento de que cada indivíduo seria um fim em si mesmo. Impedir-se-ia,
de um lado, a funcionalização do indivíduo e, de outro, afirmar-se-ia o valor
de cada ser humano independentemente de suas escolhas, situação pessoal ou
origem. Reputou inequívoco que deixar desamparado um ser humano desprovido
inclusive dos meios físicos para garantir a própria manutenção, tendo em vista
a idade avançada ou a deficiência, representaria expressa desconsideração do
mencionado valor. Salientou que a insuficiência de meios, de que trataria a
Constituição, não seria o único critério, porquanto a concessão do benefício
pressuporia a incapacidade de o sustento ser provido por meio próprio ou pela
família, a reforçar a necessidade de proteção social.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012.
(RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012.
(RE-580963)
Benefício de prestação continuada:
tutela constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 4
No tocante à autonomia, frisou que a dignidade protegeria o
conjunto de decisões e atitudes a respeito da vida de um indivíduo. Reconheceu
que a Corte, no julgamento da ADPF 132/RJ (DJe de 14.10.2011), protegera essa
concepção do princípio. O relator assentou, ainda, que a previsão do art. 203,
V, da CF, na medida em que forneceria condições materiais mínimas para a busca
da construção de um ideal de vida boa, também operaria em suporte desse viés
principiológico. No que respeita ao valor comunitário, sublinhou que o
instituto atuaria como limitador do exercício de direitos individuais. Estaria
incluída nesse ponto a ideia maior de solidariedade social, alçada à condição
de princípio pela Constituição, em seu art. 3º, I. Assinalou a relação entre a
dignidade e: a) a proteção jurídica do indivíduo simplesmente por ostentar a
condição humana; e b) o reconhecimento de esfera de proteção material do ser
humano, como condição essencial à construção da individualidade e à
autodeterminação no tocante à participação política. No ponto, concluiu existir
certo grupo de prestações essenciais que se deveria fornecer ao ser humano para
simplesmente ter capacidade de sobreviver e que o acesso a esses bens — mínimo
existencial — constituiria direito subjetivo de natureza pública.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012.
(RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012.
(RE-580963)
Benefício de prestação continuada:
tutela constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 5
Registrou o dever estatal de entregar um conjunto de prestações
básicas necessárias à sobrevivência individual.
Asseverou que o constituinte instituíra-o no art. 6º da CF, no qual
compelir-se-ia aos Poderes Públicos a realização de políticas a remediar, ainda
que minimamente, a situação de miséria dos desamparados. Advertiu que a
concretização legislativa dos referidos princípios, no caso concreto, não teria
sido suficiente, pois a renda mensal per capita familiar da
recorrida seria pouco superior a ¼ do salário mínimo vigente à época, e
inferior ao montante equivalente hoje em dia. Apontou que, não obstante, o
valor atual estaria muito além da linha de pobreza estipulada pelo Banco
Mundial. Portanto, à luz do salário mínimo em vigor, o critério legal poderia
ser reputado razoável, mas não diante do salário vigente quando iniciado o
processo. Analisou que, ao declarar a constitucionalidade do dispositivo da Lei
8.742/93, a Corte o fizera considerado o parâmetro do salário mínimo à época do
julgamento. Dessa forma, com o avanço da inflação e os reajustes subsequentes,
seria possível que se desenhasse novo quadro, discrepante dos objetivos
constitucionais, como nos autos: família composta por casal de idosos e criança
deficiente. Acresceu que, de todo modo, a legislação proibiria a percepção
simultânea de mais de um benefício de assistência social (Lei 8.742/93, art.
20, § 4º). Deduziu que seria patente que o art. 20, § 3º, do mesmo diploma, embora
não fosse, por si só, inconstitucional, teria gerado situação concreta de
inconstitucionalidade. Articulou que a incidência da regra traduziria falha no
dever, criado pela Constituição, de plena e efetiva proteção dos direitos
fundamentais, que possuiriam duas facetas: a) negativa, consistente na proteção
do indivíduo contra arbitrariedades provenientes dos Poderes Públicos; e b)
criação de deveres de agir (deveres permanentes de efetividade), sob pena de censura
judicial.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012.
(RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012.
(RE-580963)
Benefício de prestação continuada: tutela
constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 6
Comentou estar-se diante de realidade em que a concretização do
princípio da dignidade humana e do dever específico de proteção dos
hipossuficientes encontrar-se-ia aquém do texto constitucional. Deduziu emergir
como parâmetro de aferição de constitucionalidade da intermediação legislativa
de direitos fundamentais o princípio da proibição de concretização deficitária,
cujo fundamento radicar-se-ia no dever, imputável ao Estado, de promover a
edição de leis e as ações administrativas efetivas para proteger esses
direitos. Enfatizou existir solução hermenêutica para a questão. Nesse sentido,
frisou que se teria a constitucionalidade em abstrato, consoante decidido pelo
STF, mas a inconstitucionalidade em concreto, consideradas as circunstâncias
temporais e os parâmetros fáticos revelados. Mencionou, entretanto, que
permitir a reabertura de discussão acerca de dispositivos constitucionais e
legais, já debatidos pelo Poder Legislativo, a cada novo processo judicial,
seria arriscado sob dois enfoques. Primeiro, viabilizaria que o juízo
desatendesse soluções adotadas consoante processo político majoritário e fizesse
prevalecer as próprias convicções em substituição às escolhidas pela sociedade,
o que retiraria a legitimidade da função jurisdicional. Segundo, traria
insegurança ao sistema. Portanto, diferentemente da ponderação de princípios, a
envolver o conflito entre dois valores materiais, o cotejo de regras exigiria o
sopesamento não só do próprio valor veiculado pelo dispositivo, como também da
segurança jurídica e da isonomia.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012.
(RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012.
(RE-580963)
Benefício de prestação continuada: tutela
constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 7
Entendeu possível assentar a prevalência da leitura constitucional
impugnada sobre esses elementos sistêmicos. Ocorre que a decisão veiculada na
regra infralegal não se sobreporia à estampada na Constituição. No confronto de
visões, prevaleceria a que melhor concretizasse o princípio constitucional da
dignidade humana, de aplicação prioritária no ordenamento. Elucidou que, quanto
às considerações sobre segurança jurídica e isonômica, também elas deveriam
ceder àquele postulado maior. A respeito do argumento relativo à reserva do
possível, ressurtiu que o benefício de assistência social teria natureza
restrita. Não bastaria a miserabilidade, mas impor-se-ia a demonstração da
incapacidade de buscar o remédio para essa situação em decorrência de especiais
circunstâncias individuais. Desse modo, essas pessoas não poderiam ser
colocadas em patamar de igualdade com os demais membros da coletividade, pois
gozariam de prioridade na ação do Estado. Quanto aos idosos, o art. 203 da CF
atribuiria à coletividade a tarefa de ampará-los e assegurar-lhes a dignidade.
No que concerne aos deficientes, os dispositivos a tutelá-los seriam os artigos
7º, XXXI; 23, II; 24, XIV; 37, VIII; 40, § 4º, I; 201, § 1º; 203, IV e V; 208,
III; 227, § 1º, II, e § 2º; e 244, todos da CF. Além disso, a superação de
regra legal deveria ser feita com parcimônia. Assim, os juízes haveriam de
apreciar, de boa-fé, conforme a prova produzida, o estado de miséria.
Acrescentou que o critério de renda atualmente estabelecido estaria além dos
padrões para fixação da linha de pobreza internacionalmente adotados. Dessa
maneira, a superação da regra seria excepcional. Ademais, o orçamento não
possuiria valor absoluto. Sua natureza multifária abriria espaço para encampar
atividade assistencial, de importância superlativa no contexto da CF/88.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012.
(RE-580963)
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Dessumiu não sugerir a superação do que decidido na ADI 1232/DF, pois a
declaração de inconstitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 retiraria
o suporte de legalidade a nortear a atividade administrativa (CF, art. 37, caput).
Estatuiu que o STF viria se negando a proclamar nulidade de lei que padeceria
de vício de inconstitucionalidade por omissão parcial, o que pioraria quadro
não adequado plenamente à Constituição. Esclareceu que as prestações básicas
que comporiam o mínimo existencial se modificariam com o passar do tempo, então
as definições legais na matéria seriam contingentes, embora importantes. Fixariam
patamares gerais para atuação da Administração, e permitiriam margem de certeza
quanto ao grupo geral de favorecidos pela regra, a impactar a programação
financeira do Estado. Explicitou não comungar com a óptica do colegiado
prolator da decisão recorrida, no sentido da derrogação do art. 20, § 3º, pelas
Leis 9.533/97 e 10.689/2003. Conquanto o critério objetivo de aferição da
miserabilidade adotado nas referidas leis fosse diverso (meio salário mínimo),
destinar-se-iam a outros tipos de benefícios: programa de renda mínima
municipal e programa nacional de alimentação, respectivamente. Na Lei 9.533/97,
o valor do benefício seria bem inferior ao salário mínimo; na Lei 10.689/2003,
não haveria sequer fixação de quantia. No ponto, concluiu que o parâmetro
revelado no art. 20, § 3º, teria sido reiterado pela Lei 12.435/2011. Realçou
não ser heterodoxa a solução proposta, uma vez que a Corte, no julgamento da
ADI 223 MC/DF (DJU de 29.6.90), assentara a possibilidade de magistrados, no
exercício do controle difuso, deixarem de aplicar determinada regra em
incidência inconstitucional. Sintetizou que, sob o ângulo da regra geral,
deveria prevalecer o critério fixado pelo legislador no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/93. Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, seria dado ao
intérprete constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduziria à
inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Constituição
(miserabilidade). Nesses casos, o juízo poderia superar a norma sem declará-la
inconstitucional, a prevalecerem os ditames constitucionais.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012.
(RE-580963)
Benefício de prestação continuada: tutela constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 9
O Min. Gilmar Mendes, relator do RE 580963/PR, negou provimento ao
recurso. Ressaltou haver esvaziamento da decisão tomada na ADI 1232/DF,
especialmente por verificar que inúmeras reclamações ajuizadas teriam sido
indeferidas a partir de circunstâncias específicas. Chamou atenção para
possibilidade de inconstitucionalização do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93.
Relembrou o caso da progressão de regime em que o Tribunal, após ter
reconhecido a constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 — o qual
dispunha que a pena pela prática de crimes hediondos seria cumprida em regime
integralmente fechado —, declarara a sua inconstitucionalidade. Mencionou que
esse processo de inconstitucionalização ocorrera, quer a partir de mudança nas
circunstâncias fáticas, quer nas jurídicas, quer no plexo de relação entre
ambas. Sublinhou que hoje, provavelmente, o Supremo não assentaria a mesma
orientação fixada, em 1998, na ADI 1232/DF. Assinalou que a jurisprudência
atual superaria, em diversos aspectos, os entendimentos naquela época adotados
quanto à omissão inconstitucional, inclusive a respeito da possibilidade de, em
hipótese de omissão parcial, valer-se da modulação de efeitos prevista no art.
27 da Lei 9.868/99, de modo a deixar a lei em vigor, sem reconhecer a sua
nulidade. Ponderou que a declaração de nulidade agravaria o estado de
inconstitucionalidade.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012.
(RE-580963)
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Aduziu que diversas normas estipularam critérios diferentes de ¼ do
salário mínimo, o que poderia gerar grave embaraço do ponto de vista da
isonomia. Consignou que, no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003, art. 34),
abrira-se exceção para o recebimento de 2 benefícios assistenciais de idoso,
mas não permitira a percepção conjunta de benefício de idoso com o de
deficiente ou de qualquer outro previdenciário. Reputou que o legislador
incorrera em equívoco, pois, em situação absolutamente idêntica, deveria ser possível
fazer a exclusão do cômputo do benefício, independentemente de sua origem.
Salientou que, do contrário, conferir-se-ia ao legislador não um poder
discricionário, mas arbitrário. Por fim, declarou a inconstitucionalidade do §
3º do art. 20 da Lei 8.742/93, sem pronúncia de nulidade, mantendo-o válido até
dezembro de 2014. Após, pediu vista o Min. Luiz Fux.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012.
(RE-580963)
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