segunda-feira, 16 de maio de 2016

Jurisprudência comentada - Direito Penal

A causa de aumento de pena do repouso noturno se aplica ao furto qualificado?



Causa de aumento do repouso noturno
O crime de furto desperta debates doutrinários que tem grande aplicação prática, sobretudo pela quantidade de ações penais que são propostas em todas as cidades do país.   


Uma discussão recorrente na doutrina e na jurisprudência é sobre a incidência da causa de aumento de pena do repouso noturno prevista no art. 155 §1 do CP ao furto qualificado (art. 155, §4 do CP).


§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
A causa de aumento do repouso noturno traz algumas particularidades que devem ser mencionadas, verbis:
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado  durante o repouso noturno.
Apesar de o nome do instituto ser "furto noturno", não basta que o fato ocorra à noite (período de ausência de luz solar), exigindo o texto legal que ocorra durante o período em que os moradores de determinada região estejam dormindo, repousando, devendo a análise ser feita de acordo com as caraterísticas de cada região (rural ou urbana) (GONÇALVES, Victor: 2013) 

Feitas essas considerações iniciais, cumpre demonstrar os posicionamentos da doutrina sobre a celeuma.

Em sentido contrário à aplicação da causa de aumento, defende-se que a posição topográfica da causa de aumento (anterior ao furto qualificado) impediria sua incidência. Nesse sentido, verbis:

Esse instituto tem natureza jurídica de causa de aumento de pena e somente se aplica ao furto simples. É incabível às formas qualificadas de furto porque estão previstas em dispositivo posterior (§4 e §5) e já possuem pena maior em abstrato.  (GONÇALVES, Victor: 2013)
Essa posição foi considerada majoritária por muitos anos, mas recentemente tem perdido espaço nos tribunais superiores. Alega-se que não há impedimento legal na aplicação da causa de aumento do repouso noturno ao furto qualificado já que ela seria aplicada tão somente na terceira fase da pena, em observância ao sistema trifásico. Além disso, o instituto deve ser analisado a partir da sua natureza jurídica, mas não da posição que ocupa no tipo penal.


Esse foi o posicionamento adotado pelo STF no recente informativo de n.º 824.

Furto qualificado e causa de aumento de pena
A Segunda Turma iniciou julgamento de “habeas corpus” em que se discute a possibilidade de incidência da causa de aumento de pena do repouso noturno (CP, art. 155, § 1º) ao crime de furto praticado na forma qualificada (CP, art. 155, § 4º). O Ministro Dias Toffoli (relator) denegou a ordem. Destacou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já reconheceu a compatibilidade das causas privilegiadas de furto (CP, art. 155, § 2º) com a sua modalidade qualificada. Além disso, a inserção pelo legislador do dispositivo da majorante antes das qualificadoras não inviabilizaria a aplicação da majorante do repouso noturno na forma qualificada de furto. Acrescentou que, de acordo com a análise dos tipos penais, a única estrutura permanente e inatingível diz respeito ao “caput”, representativo da figura básica do delito. Ademais, deve-se interpretar a cada um dos parágrafos constantes do tipo, de acordo com a sua natureza jurídica, jamais pela sua singela posição ocupada topograficamente. Em seguida, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Ministro Teori Zavascki.HC 130952/MG, rel. Min. Dias Toffoli, 3.5.2016. (HC-130952)
 
O entendimento é o mesmo adotado pelo STJ, verbis:
DIREITO PENAL. FURTO QUALIFICADO PRATICADO DURANTE O REPOUSO NOTURNO.
A causa de aumento de pena prevista no § 1° do art. 155 do CP - que se refere à prática do crime durante o repouso noturno - é aplicável tanto na forma simples (caput) quanto na forma qualificada (§ 4°) do delito de furto. Isso porque esse entendimento está em consonância, mutatis mutandis, com a posição firmada pelo STJ no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.193.194-MG, no qual se afigurou possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de furto qualificado (art. 155, § 4º, do CP), máxime se presentes os requisitos. Dessarte, nessa linha de raciocínio, não haveria justificativa plausível para se aplicar o § 2° do art. 155 do CP e deixar de impor o § 1° do referido artigo, que, a propósito, compatibiliza-se com as qualificadoras previstas no § 4° do dispositivo. Ademais, cumpre salientar que o § 1° do art. 155 do CP refere-se à causa de aumento, tendo aplicação apenas na terceira fase da dosimetria, o que não revela qualquer prejuízo na realização da dosimetria da pena com arrimo no método trifásico. Cabe registrar que não se desconhece o entendimento da Quinta Turma do STJ segundo o qual somente será cabível aplicação da mencionada causa de aumento quando o crime for perpetrado na sua forma simples (caput do art. 155). Todavia, o fato é que, após o entendimento exarado em 2011 no julgamento do EREsp 842.425-RS, no qual se evidenciou a possibilidade de aplicação do privilégio (§ 2°) no furto qualificado, não há razoabilidade em negar a incidência da causa de aumento (delito cometido durante o repouso noturno) na mesma situação em que presente a forma qualificada do crime de furto. Em outras palavras, uma vez que não mais se observa a ordem dos parágrafos para a aplicação da causa de diminuição (§ 2º), também não se considera essa ordem para imposição da causa de aumento (§ 1º). HC 306.450-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/12/2014, DJe 17/12/2014.

Referências Bibliográficas 

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado. parte especial - 3ª ed. - São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

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