segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Extradição - Cesare Battisti - Jurisprudência do STF


Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 1


O Tribunal iniciou julgamento de pedido de extradição executória formulado pelo Governo da Itália contra nacional italiano condenado à pena de prisão perpétua pela prática de quatro homicídios naquele país. O Min. Cezar Peluso, relator, deferiu a extradição, sob a condição formal de comutação da pena perpétua por privativa de liberdade por tempo não superior a trinta anos, e, em conseqüência, julgou prejudicado o mandado de segurança julgado em conjunto.

Examinou, de início, questão preliminar ao pedido de extradição diante da concessão do status de refugiado ao extraditando pelo Ministro da Justiça, concluindo pela ilegalidade e pela ineficácia desse ato. Asseverou que, não obstante a Corte, em princípio e incidentalmente, houvesse declarado, no julgamento da Ext 1008/Governo da Colômbia (DJE de 17.8.2007), a constitucionalidade do art. 33 da Lei 9.474/97 (“o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.”), e independentemente da estima do acerto, ou não, dessa decisão, destacou que ficariam por esclarecer as condições em que a outorga de refúgio extinguiria o processo de extradição. No ponto, ressaltou que, apesar de reconhecido, naquele julgado, o caráter político-administrativo da decisão concessiva de refúgio, revendo os termos e o alcance da lei, à luz sistêmica da ordem jurídica, aduziu que tal afirmação não poderia ser entendida em acepção demasiado estrita, nem que o fato de o poder ou dever de outorga ser atribuição reservada à competência própria da União, por representar o país nas relações internacionais, lhe subtrairia, de forma absoluta, os respectivos atos jurídico-administrativos ao ordinário controle jurisdicional de legalidade (judicial review).


Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 2

Assim, não haveria como, na interpretação unitária e constitucional do regime normativo do instituto do refúgio, estabelecer, de forma dogmática, que, independentemente de reverência à ordem jurídica, toda decisão emanada do Poder Executivo produzisse, em qualquer caso, o efeito ou efeitos típicos a que tendesse. Explicou que não o haveria, porque, nos limites do caso, como nítida questão prévia suscitada, teria a legalidade do ato administrativo de ser conhecida e decidida pela Corte como tema preliminar, suposto profundamente vinculado ao mérito mesmo do pedido de extradição, que não poderia deixar de ser julgado, se se concluísse pela invalidez e ineficácia da concessão do refúgio. Ademais, disse que o reconhecimento da condição de refugiado constituiria ato vinculado aos requisitos expressos e taxativos que a lei lhe imporia como condição necessária de validade. Dessa forma, a decisão do Ministro da Justiça não fugiria ao controle jurisdicional sobre eventual observância dos requisitos de legalidade, em especial da verificação de correspondência entre sua motivação necessária declarada e as fattispecie normativas pertinentes, campo em que ganharia superior importância a indagação de juridicidade dos motivos, até para se aferir se não teria sido usurpada, na matéria de extradição, competência constitucional exclusiva do Supremo. Observou que, à luz da competência estatuída na Constituição Federal, o confronto entre os artigos 1º e 33 da Lei 9.474/97, que, respectivamente, tipifica as hipóteses de reconhecimento da condição de refugiado e lhe prevê a declaração formal como causa externa impeditiva de extradição, revelaria e imporia ao intérprete uma distinção decisiva para solução da espécie. Expôs que, em nosso sistema normativo-constitucional, haveria, por um lado, a regulamentação de toda a matéria de refúgio, com suas hipóteses fechadas, as quais, em caso de reconhecimento da condição de refugiado, atuariam como autênticas causas extrínsecas obstativas de extradição, na medida em que adviriam de juízo autorizado e vinculado da autoridade administrativa e, como tais, seriam externas ao âmbito do processo de extradição. Por outro lado, o ordenamento discerniria a previsão e a disciplina de causas intrínsecas de não extradição, as quais constituiriam tema ou objeto necessário da cognição compreendida na competência jurisdicional do Supremo no processo de extradição.

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 3

De acordo com o relator, as causas intrínsecas, enquanto causas excludentes interiores ao regime legal do instituto e do processo de extradição, substanciariam temática própria do mérito de processo cometido à competência constitucional exclusiva do Supremo, no sentido de que deveria este, no julgamento daquele, examiná-las todas, inclusive de ofício, a fim de verificar a sua ocorrência, ou não, em cada caso, haja vista que o reconhecimento de qualquer delas levaria ao indeferimento do pedido. Portanto, as causas intrínsecas operariam ab intra, do ponto de vista do processo judicial, sendo insuscetíveis de consideração por parte da autoridade administrativa, que sobre elas não deteria nenhuma competência. Por sua vez, as causas extrínsecas, entregues ao juízo vinculado da autoridade administrativa, quando declaradas como fundamento legal típico da outorga do refúgio, embora inibidoras indiretas do deferimento da extradição como razão jurídica ab extra, poderiam representar, dentro do processo de extradição, questão preliminar ao pedido, na precisa acepção de questão prévia que, antecedendo à questão de mérito, haveria de ser decidida antes, visto que sua solução seria capaz de opor ou de remover óbice à continuidade do processo e, pois, ao conhecimento do mérito. Salientou, assim, que, pressuposta a distinção entre as causas externas e internas, a Corte deveria apreciar, previamente ao mérito do pedido, a questão preliminar levantada, ou não, porque cognoscível de ofício, sobre a legalidade do ato administrativo vinculado que outorgara o benefício do refúgio, sob o fundamento de tê-lo feito contra legem, uma vez que não fundado em nenhuma de suas hipóteses legais (fattispecie abstratas), a que se não ajustariam os fatos considerados pela decisão administrativa. Acrescentou que a Corte deveria fazê-lo por ser dever jurídico que lhe adviria, no exercício do controle jurisdicional, da relação ou do nexo jurídico das questões, e porque os fundamentos empíricos da concessão de refúgio, que seriam causas excludentes extrínsecas, não se confundiriam, no plano da lei, com os fundamentos históricos ou factuais as quais tipificariam causas intrínsecas impeditivas da extradição.

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 4

Em seguida, o relator analisou os quatro motivos declarados como fundamentos do ato de concessão de refúgio, perante o disposto no art. 1º, I, da Lei 9.474/97 (“Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontra-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;”), para, no estrito controle da legalidade, ajuizar se, sendo acaso verdadeiros como fatos, corresponderiam, ou não, ao suporte fático (fattispecie abstrata) dessa norma vinculante, invocada pela autoridade como fonte da legitimidade de seu comportamento. Assinalou que o primeiro, referente à situação política do Estado italiano, em dada quadra histórica, a toda evidência não poderia ser considerada causa atual de algum fundado temor de perseguição futura por motivos políticos, pela razão de, supondo-se então verdadeira, não viger agora. Assim, reputando-se ali vigente ordem jurídico-constitucional democrática, nada justificaria sequer remoto receio de que, com o deferimento da extradição, o extraditando não teria seus direitos constitucionais respeitados. Quanto ao segundo motivo da decisão administrativa, de que, na época dos fatos, o governo do Estado requerente estaria infiltrado de “forças políticas eversivas”, cujo “poder oculto” superaria e excederia, por meio de atuações ilegítimas, “a própria exceção legal”, influindo, direta ou indiretamente, nas condenações do extraditando, registrou o relator que tal fundamento, sobre implicar gratuita e pesada afronta à independência e isenção da magistratura italiana, não transporia, na causa, as fronteiras amplas da fantasia, não se fundando em nenhum dado de realidade.

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 5

No que tange ao terceiro fundamento, no sentido de que os crimes imputados ao extraditando teriam natureza política, o relator enfatizou sua ilegalidade, haja vista a incompetência da autoridade administrativa na matéria. No ponto, acentuou que, da atribuição prevista no art. 102, I, g, da CF, defluiria, que, enquanto objeto necessário da cognição imanente à competência constitucional reservada à jurisdição desta Corte, lhe tocaria apreciar, com exclusividade, todas as questões relativas à existência de fatos configuradores de causas intrínsecas de não extradição, assim consideradas as que, não correspondendo a nenhuma das taxativas hipóteses legais de concessão de refúgio, submissas todas a juízo administrativo privativo, mas vinculado, impediriam deferimento da extradição solicitada por Estado estrangeiro. Afirmou que, nos termos do art. 77, § 2º, da Lei 6.815/80, c/c o aludido art. 102, I, g, da CF, caberia, exclusivamente, ao Supremo a apreciação do caráter da infração, o que implicaria outorga de competência exclusiva para definir se o fato constitui crime comum ou político, sendo essa a razão pela qual, dentre as hipóteses específicas de reconhecimento da condição de refugiado, previstas no art. 1º da Lei 9.474/97, não constaria a de que a pessoa tivesse sido condenada por delito político. Relativamente ao quarto e último fundamento, concernente às vicissitudes da estada do extraditando na França, de onde teria sido expulso, de fato, por decisão de cunho político, reputou-o impertinente. Asseverou que, no tocante aos eventos lá ocorridos, escusaria opor objeções de ordem factual ou jurídica, por serem de todo irrelevantes as respectivas considerações da decisão administrativa para o desate da causa, porquanto a Lei 9.474/97 exigiria, em seu art. 1º, I, em cuja hipótese (fattispecie abstrata) se fundara o reconhecimento da condição de refugiado, como requisito típico essencial, que a pessoa se encontrasse fora do país de nacionalidade, sob cuja proteção não quisesse ou não pudesse se acolher. Observou que, no caso deste outro fundamento decisório, toda a particular motivação do asserto de perseguição política diria respeito a acontecimentos sucedidos em terceiro país, que não reclama extradição. Para o relator, da análise de todos esses fundamentos do ato de concessão de refúgio, depreender-se-ia que, se houvesse algum fundado temor atual do extraditando, tal receio teria por único objeto os desdobramentos legais da persecução penal executória, e não agravos imaginários de perseguição política, de cujo risco não constaria nenhum indício.

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 6

Registrou, também, ser pertinente a distinção constante do manual de procedimentos e critérios para determinar a condição de refugiado político, publicado, em 2004, pelo Alto Comissariado das Nações Unidas - ACNUR, a qual deveria ser observada, com rigor, neste tema, a fim de não se confundirem coisas tão diversas entre si [“(d) Punição 56. Deve-se distinguir perseguição de punição prevista por uma infração de direito comum. As pessoas que fogem de procedimentos judiciais ou à punição por infrações desta natureza não são normalmente refugiados. Convém relembrar que um refugiado é uma vítima - ou uma vítima potencial - da injustiça e não alguém que foge da justiça.”]. Dessa forma, não aparecendo o extraditando como vítima da injustiça, mas como alguém que fugiria da punição legal por crimes de natureza comum, não lhe seria possível aspirar à condição de refugiado. Ademais, no campo dos chamados requisitos negativos, afirmou que não seria menor a incompatibilidade entre a decisão administrativa e a lei, salientando que o manual do ACNUR distinguiria ainda, neste ponto, três grupos de condições ou cláusulas que haveriam de ser seguidas para fins de reconhecimento da situação de refugiado político, quais sejam, as de inclusão, de cessação e de exclusão. Citando o art. 1-F do Estatuto dos Refugiados (“F. As disposições desta Convenção não serão aplicáveis às pessoas a respeito das quais houver razões sérias para se pensar que: a) cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade, no sentido dado pelos instrumentos internacionais elaborados para prever tais crimes; b) cometeram um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de serem nele admitidas como refugiados; c) tornaram-se culpadas de atos aos fins e princípios das Nações Unidas.”), revelou que o conjunto das normas expressas nesse texto teria sido complementado pela Lei 9.474/97 (“Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que: ... III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas; IV - sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.”), reputando inequívoco o sentido da regra que veda, expressamente, a atribuição da condição de refugiado a pessoas que tenham cometido crimes comuns graves, sobretudo se qualificados como hediondos.

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 7

Prosseguindo, o relator destacou que a decisão administrativa, ao se reportar ao fato de que em nenhum momento o Estado requerente noticiara a condenação do extraditando por crimes impeditivos da condição de refugiado, desconsideraria todo o teor das sentenças condenatórias italianas, recobertas pela res iudicata. Aduziu que os crimes cometidos pelo extraditando, sobre não apresentar nenhum traço de conotação política, entrariam com folga na classe dos crimes comuns graves, qualificados de hediondos, nos termos do art. 1º da Lei 8.072/90, e que a incidência dessa lei, no caso, não importaria agravamento da situação jurídico-penal do extraditando enquanto réu, senão mera qualificação jurídica da sua distinta situação de pretendente de reconhecimento da condição de refugiado. Além disso, sendo essa a lei regente, incidiria de imediato, sem retroagir, sobre a pretensão de refúgio formulada sob sua vigência, apanhando todos os fatos — o passado histórico — que constituiriam fundamentos do pedido, não para algum efeito penal, mas apenas para estima da coexistência, ou não, dos requisitos legais imprescindíveis à concessão do benefício político. Explicou que isto significaria apenas que, se os fatos principais, embora velhos ou anteriores ao requerimento, recebessem, por sua concreta e objetiva gravidade, valoração negativa e conseqüente eficácia obstativa de outra lei em vigor (Lei 8.072/90), o benefício político não poderia ser deferido, e não que a situação penal do extraditando fosse exacerbada. Concluiu que daí viria, desde logo, a existência de condição legal excludente da concessão de refúgio, como só remate e reforço do quadro da indiscutível ilegalidade de que se revestira a decisão administrativa que o deferira ao extraditando, tratando-se, portanto, de ato administrativo, que, por sua manifesta, absoluta e irremediável nulidade e ineficácia, não poderia se opor à cognição nem a eventual procedência do pedido de extradição. Afastou, ainda em sede preliminar, os argumentos da defesa acerca do defeito de forma do pedido de extradição, especialmente no que tange ao teor das decisões em que se fundaria e às respectivas traduções, tendo em conta, notadamente, a inteira inteligibilidade do conteúdo essencial que emergiria desses atos traduzidos.

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 8

Quanto ao mérito, o relator repeliu todas as alegações apresentadas pela defesa do extraditando. Ressaltou que o fato de o extraditando não ter sido apresentado diante de qualquer tribunal, sendo julgado à revelia, não teria relevo nenhum, porque tal circunstância não constituiria, por si só, motivo de recusa para a extradição, conforme pactuado na segunda parte da alínea a do art. 5 do Tratado de Extradição Brasil-Itália. Ademais, observou que, mesmo que o julgamento tivesse tramitado à revelia do extraditando, que à época se encontrava foragido, não haveria dúvidas de lhe terem sido garantidos todos os direitos de defesa correspondentes a essa condição processual, conforme o citado dispositivo do Tratado, em estrita observância ao princípio do devido processo legal. Afirmou, também, diante de nosso sistema da contenciosidade limitada, ou de cognição restrita (Lei 6.815/80, art. 85, § 1º), caber à Corte apenas apreciar a defesa que verse sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição, não sendo possível conhecer da alegação de fragilidade das provas produzidas na instrução criminal. Reconheceu, em seguida, estar atendido o requisito da dupla tipicidade, visto que o fato motivador do pedido seria considerado crime tanto no Estado requerente quanto no Brasil.

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 9

O relator asseverou não estarem prescritos os homicídios imputados ao extraditando, consumados em 6.6.77, 16.2.79, 16.2.79 e 19.4.79 e aos quais cominados a pena de prisão perpétua, com decisões condenatórias transitadas em julgado em 8.4.91 e 10.4.93. Enfatizou que, perante nossa legislação penal, seria mister decidir a questão da prescrição da pretensão executória à luz do máximo da pena abstratamente cominada para o correspondente tipo penal (homicídio qualificado), que seria de trinta anos de reclusão. Assim, segundo o inciso I do art. 109, c/c o art. 110, do nosso CP, a prescrição se operaria em vinte anos. Repeliu o argumento da defesa, segundo o qual, não tendo havido recurso do Ministério Público, inferir-se-ia que a condenação se tornara definitiva para a acusação na data em que a sentença fora proferida em audiência e depositada na Chancelaria (13.12.88). Esclareceu, no ponto, que a defesa desconsiderara que sobre a hipótese incidiria, depois do trânsito em julgado da sentença, a causa suspensiva da prescrição, constante do art. 116 do CP (“Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo”). Isto é, decretada a prisão preventiva do extraditando em 1º.3.2007, para fins de extradição, e devidamente cumprida em 18.3.2008, dessa data atuaria automaticamente a suspensão do prazo da prescrição executória segundo a legislação brasileira. Acrescentou que, caso a Corte entendesse que a prisão provisória para fins de extradição não seria decorrente de outro motivo, incidiria a causa interruptiva do prazo prescricional prevista no art. 117, V, do CP (“Art. 117 O curso da prescrição interrompe-se: ... V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena;”). Haveria, para o relator, ainda, de se considerar suspenso o prazo prescricional, desde a data da suspensão do processo de extradição, em razão do pedido de refúgio formulado perante o CONARE, até a decisão final proferida, no recurso, pelo Ministro de Estado da Justiça. Aduziu que, de toda sorte, não obstante incidirem várias causas aptas a inibir a prescrição, o cálculo da prescrição da pretensão executória, para a acusação (1ª parte do inciso I do art. 112 do CP pátrio), não se contaria a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória de 1ª instância, datada de 13.12.88 e que impusera ao extraditando a pena de prisão perpétua pela prática dos quatro homicídios. Esclareceu que, com a anulação parcial, pela Corte de Cassação (3ª instância), em 8.4.91, do acórdão do 1º Tribunal de Apelação de Milão (2ª instância), relativamente à condenação por um dos homicídios, deixara de subsistir trânsito em julgado para a acusação, que poderia ter recorrido, se a decisão do 2º Tribunal do Júri de Milão, julgando em sede de reenvio pela Corte de Cassação, não houvesse confirmado a pena de prisão perpétua para o homicídio outrora excluído. Salientando que tais condenações transitaram em julgado em 8.4.91 e 10.4.93, não teria se operado prescrição da pretensão executória, seja em face da legislação italiana, seja da brasileira, a qual se consumaria no prazo de vinte anos, a contar da data do trânsito em julgado das sentenças condenatórias, nos termos da norma vigente à época. Reputou, assim, satisfeita a exigência relativa ao duplo grau de punibilidade.

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 10

O relator atestou a não ocorrência da causa impeditiva prevista no inciso VII do art. 77 da Lei 6.815/80, objeto da garantia consagrada no inciso LII do art. 5º da CF (“não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.). Reafirmando a competência da Corte para aquilatar, com exclusividade, o caráter das infrações que informam o pedido extradicional, julgou comuns os crimes cometidos pelo extraditando, sobretudo quando confrontados com o princípio da preponderância (Lei 6.815/90, art. 77, § 1º). Frisou, no ponto, consubstanciarem homicídios dolosos, perpetrados com premeditação, os quais não guardariam relação com fins altruístas que caracterizariam movimentos políticos voltados à implantação de nova ordem econômica e social, mas revelariam, pelo contrário, puro intuito de vingança pessoal. Por fim, examinou a questão relativa à obrigatoriedade, ou não, de o Presidente da República, uma vez acolhido o pedido de extradição, efetivar a entrega do extraditando ao Estado requerente. Tendo em conta o que constante do art. 1 do Tratado de Extradição e do art. 26 da Convenção de Viena (princípio do pacta sunt servanda), e, ainda, reputando satisfeitas todas as exigências para concessão sem se caracterizar nenhuma das hipóteses de recusa previstas no art. 6 do Tratado e, por conseguinte, deferido o pedido do Estado requerente, considerou que não se reconheceria discricionariedade legítima ao Presidente da República para deixar de efetivar a entrega do extraditando. Observou, no entanto, que tramitaria contra o extraditando, perante a Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro, ação penal, cujo objeto seria a imputação da prática do delito de falsificação e/ou uso de passaporte falso. Em razão disso, entendeu que, deferido o pedido e, portanto, constituído o título jurídico sem o qual o Presidente da República não poderia determinar a extradição, a efetiva entrega do súdito ao Estado requerente poderia ser diferida, nos termos do art. 89 do Estatuto do Estrangeiro, bem como do ‘item 1’ do art. 15 do Tratado Bilateral Brasil-Itália (“Artigo 15 Entrega Diferida ou Temporária 1. Se a pessoa reclamada for submetida a processo penal, ou deva cumprir pena em território da Parte requerida por um crime que não aquele que motiva o pedido de extradição, a Parte requerida deverá igualmente decidir sem demora sobre o pedido de extradição e dar a conhecer sua decisão à outra Parte. Caso o pedido de extradição vier a ser acolhido, a entrega da pessoa extraditada poderá ser adiada até a conclusão do processo penal ou até o cumprimento da pena”). Após os votos dos Ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Britto e Ellen Gracie, que acompanhavam o voto do relator, e dos votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Eros Grau, que, em suma, julgavam extinto o processo de extradição em face da decisão hígida do Ministro de Estado da Justiça de conceder o refúgio ao extraditando (Lei 9.474/97, art. 33), pronunciou-se o Min. Marco Aurélio acerca da legalidade do ato de concessão de refúgio, não vislumbrando desvio de finalidade no mesmo, e solicitou vista dos autos quanto às demais causas de pedir.

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 11

O Tribunal retomou julgamento de extradição executória formulado pelo Governo da Itália contra nacional italiano condenado à pena de prisão perpétua pela prática de quatro homicídios naquele país — v. Informativo 558. Inicialmente, o Tribunal rejeitou questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio que asseverava a necessidade de se contar no Plenário com, no mínimo, oito integrantes, para julgar processo que envolve matéria constitucional, conforme estabelecido pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - RISTF (art. 143, parágrafo único). Resolveu-se, no ponto, prosseguir com o julgamento, considerando a competência do Tribunal tal como formado, ao fundamento de que o quórum fixado no RISTF cingir-se-ia à declaração, ou não, de inconstitucionalidade de uma determinada norma. Vencido o suscitante. Na seqüência, o Min. Marco Aurélio, em voto-vista, proclamando não ter ocorrido desvio de finalidade do ato de concessão de refúgio, assentou, uma vez admitida a revisão ampla, para ele inadequada, do seu merecimento, a plena harmonia do refúgio com a ordem jurídico-constitucional, óbice à continuidade do exame do pedido de extradição. Rejeitou-se, por maioria, questão de ordem também suscitada pelo Min. Marco Aurélio acerca da conclusão do julgamento sobre a prejudicialidade do mandado de segurança.

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 12

Em seguida, o Min. Marco Aurélio indeferiu o pleito extradicional. Entendeu que os crimes pelos quais condenado o extraditando teriam natureza política, considerado, especialmente, o que contido na sentença condenatória que ensejara o pedido de extradição, a qual, em trinta e quatro passagens, assentara que as práticas criminosas em análise teriam por motivação a subversão da ordem estatal, e, ainda, a própria postura de dirigentes e políticos italianos da atualidade ao se referirem ao deferimento do refúgio, sendo aplicável o disposto no inciso LII do art. 5º da CF (“não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.) e no art. 3º, item 1, alínea e, do Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana. Asseverou, também, no que tange à prescrição, que seria imprópria inclusive a evocação do parágrafo único do art. 116 do CP (“Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo”), ao fundamento de que a prisão preventiva não se incluiria no rol das causas impeditivas da prescrição, incidindo tal dispositivo apenas no caso de encontrar-se o cidadão preso, ante culpa formada. Acrescentou que, cuidando-se de causa impeditiva do curso de prescrição, situação prejudicial ao réu, aplicar-se-ia a interpretação estrita. Frisou não caber assentar o pedido de extradição ou o de reconhecimento da condição de refugiado como impeditivos da continuidade do prazo prescricional, asseverando ser a prescrição penal vista a partir das regras disciplinadoras, de cunho instrumental e material. Reconheceu, tendo em conta que a condenação que interrompera o prazo prescricional dataria de 13.12.88, que teria ocorrido a prescrição da pretensão executória da pena em 2008. Em continuidade, rejeitou as demais causas de pedir. Aduziu, por fim, que o pronunciamento no processo de extradição é declaratório, considerada a legitimidade ou não do pedido formalizado, e, salientando competir privativamente ao Presidente da República solucionar questões de política internacional, com o referendo, em certos casos, do Congresso Nacional, entendeu que, declarada a legitimidade do pleito extradicional, abrir-se-ia oportunidade ao Chefe do Poder Executivo de, à frente da política brasileira no campo internacional, entregar, ou não, o estrangeiro, que poderia merecer o status de asilado. Registrou, no ponto, que isso estaria em harmonia com a regra do art. 89 da Lei 6.815/80, a revelar, mesmo ante a execução de sentença penal condenatória imposta pelo Judiciário brasileiro ao extraditando, mitigando o título judicial, a possibilidade de o Executivo — em ato próprio ao exercício da soberania nacional — expulsar de imediato o estrangeiro, entregando-o ao Governo requerente e interessado. O Tribunal ainda rejeitou questão de ordem suscitada pelo advogado do extraditando, ressaltando a necessidade de, em matéria constitucional, o Presidente da Corte votar, conforme disposto no art. 146, I, do RISTF. Após, o julgamento foi suspenso por falta de quórum de, no mínimo, seis integrantes da Corte, para funcionamento do Pleno (RISTF, art. 143, caput). Os Ministros Celso de Mello e Dias Toffoli, que se declararam suspeitos, não estiveram presentes à sessão.


Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 13



Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido de extradição executória formulado pelo Governo da Itália contra nacional italiano condenado à pena de prisão perpétua pela prática de quatro homicídios naquele país — v. Informativos 558 e 567. Prevaleceu o voto do Min. Cezar Peluso, relator, que, após reconhecer a ilegalidade do ato de concessão de refúgio ao extraditando, entendeu que os crimes a ele atribuídos teriam natureza comum, e não política, os quais não estariam prescritos, considerando atendidos os demais requisitos previstos na Lei 6.815/80 e no tratado de extradição firmado entre o Brasil e a Itália. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Marco Aurélio, que indeferiam o pleito. O Min. Marco Aurélio retificou seu voto apenas relativamente à questão da prescrição da pretensão punitiva, reconhecendo que os crimes não estariam prescritos. O Tribunal, ainda, também por maioria, considerou que o Presidente da República não estaria compelido pela decisão do Supremo a proceder à extradição. Asseverou-se que, autorizado o pleito extradicional pelo Supremo, caberia ao Chefe do Poder Executivo, tendo em conta a competência prevista no art. 84, VII, da CF, decidir, de forma discricionária, sobre a entrega, ou não, do extraditando ao governo requerente. Nesse sentido, manifestaram-se os Ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio, Eros Grau e Carlos Britto. Vencidos, nesse ponto, os Ministros Cezar Peluso, relator, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, que afirmavam que o Presidente da República estaria obrigado a cumprir a decisão do Supremo com a entrega do extraditando ao Governo italiano, à luz do citado tratado bilateral e da legislação aplicável.


Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República - 1


O Plenário, por maioria, não conheceu de reclamação, interposta pela República Italiana, de decisão do Presidente da República Federativa do Brasil que negara pedido de extradição, anteriormente concedida por esta Corte, a nacional daquele país. No caso, a Itália formulara pleito de extradição executória em desfavor de condenado à pena de prisão perpétua pela prática de 4 homicídios. O extraditando permanecera preso durante todo o trâmite do processo extradicional, deferido em 16.12.2009 (Ext 1085/República Italiana, DJe de 16.4.2010). Na ocasião, o Tribunal reconhecera a discricionariedade do Presidente quanto à eficácia do acórdão, bem como salientara que a atuação presidencial estaria limitada aos termos do tratado celebrado entre o Brasil e o Estado requerente. Ocorre que, após o arquivamento da extradição, o Presidente concluíra, com fundamento em parecer da Advocacia-Geral da União - AGU, pela existência de ponderáveis razões — nos termos do art. III, 1, f, do referido tratado bilateral — para se supor que o extraditando seria submetido a agravamento de sua situação, ante sua condição pessoal, em virtude de seu passado, marcado por atividade política de intensidade relevante. Em decorrência dessa decisão, a defesa do extraditando requerera a imediata expedição de alvará de soltura ou, na eventualidade, a declaração do esgotamento da jurisdição do Supremo na matéria, de modo a permitir que os órgãos do Poder Executivo cumprissem a manifestação presidencial. O Estado requerente, por sua vez, impugnara essa solicitação, ao argumento de que seria da competência exclusiva do STF a deliberação sobre a custódia do extraditando. Assim, sustentava que o Colegiado deveria analisar se o ato presidencial de não extradição seria compatível com o acórdão proferido na extradição.


Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República - 2

Inicialmente, apontou-se a existência de questão antecedente ao exame do mérito da reclamação, no que concerne à legitimidade da República Italiana. Assentou-se, por maioria, o não-cabimento da reclamação. O Min. Luiz Fux assinalou que, adotada a tese no sentido de competir ao Supremo somente aferir os requisitos de possibilidade de extradição, a cognição se encerraria aí e a decisão seria remetida ao Presidente da República, que resolveria o caso, sendo este ato insindicável pelo Poder Judiciário. Assim, em jogo um ato de soberania nacional. Realçou que a República Italiana litigara contra a República Federativa do Brasil e que isto seria da competência do Tribunal Internacional de Haia, e não do STF. O Min. Ricardo Lewandowski ressaltou que se trataria de litígio entre Estados soberanos, o que afastaria a aplicação do art. 102, I, e, da CF. Dessa forma, entendeu que aquele país seria parte ilegítima, do ponto de vista processual. O Min. Marco Aurélio, por sua vez, enfatizou que o ato do Presidente, na condução da política internacional, não seria passível de ser jurisdicionalizado e, de igual forma, afirmou a ilegitimidade da reclamante para objetá-lo. Destacou, ainda, que a decisão do STF, quando autoriza a extradição, seria simplesmente declaratória, em que examinada apenas a legitimidade, ou não, desse pedido diante da ordem jurídica nacional. Vencidos os Ministros Gilmar Mendes, relator, Ellen Gracie e Cezar Peluso, Presidente, que conheciam da reclamação. O relator, ao salientar a dificuldade em se separar o mérito da preliminar, reputava que, para o deslinde desta, seria preciso ingressar no mérito do processo extradicional. Frisava que a Corte teria que decidir sobre o deferimento, ou não, da soltura do extraditando e que isso teria que ser apreciado no incidente suscitado na extradição, o qual seria também objeto da reclamação. Ademais, estar-se-ia a discutir sobre o papel do Presidente na extradição. Por fim, para o Min. Cezar Peluso, haveria o interesse jurídico do Governo Italiano, de modo que, como se cuidaria de tema cognoscível ex officio, este poderia ser provocado por qualquer interessado.

Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República - 3

Estabelecida a não-admissibilidade da reclamação, o Plenário deliberou sobre a manutenção da custódia do extraditando, haja vista a existência de pedido de relaxamento de prisão decretada por este Tribunal. Em votação majoritária, acolheu-se o pleito do requerente e determinou-se a expedição de alvará de soltura, se por al não estiver segregado. O Min. Luiz Fux, com base nos princípios constitucionais da soberania e da independência nacional, reiterou que o ato do Presidente da República não seria sindicável. Aduziu que o Supremo estabelecera que essa autoridade poderia lavrar um ato de soberania, cujas razões não seriam passíveis de crivo, a exemplo de outros atos que escapariam ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário: os atos legislativos interna corporis, os indultos, as graças e as anistias concedidas depois do trânsito em julgado. Afiançou que o STF concedera ao Presidente o poder de entregar, ou não, o extraditando, segundo as suas próprias razões. Nesse contexto, arrematou que essa autoridade, nos termos do tratado bilateral, motivara sua recusa. A Min. Cármen Lúcia acrescentou que o dispositivo justificador da recusa em entregar o extraditando apresentaria conceitos indeterminados ("Artigo III Casos de Recusa da Extradição 1. A Extradição não será concedida: ... f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados") e, se se entendesse que o Presidente não poderia ponderar sobre as razões, o Tribunal estaria se substituindo àquele. Assim, seria o caso de soltura do "ex-extraditando".

Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República - 4

Nessa mesma linha, manifestou-se o Min. Ricardo Lewandowski, para quem o ato do Presidente permaneceria hígido e expressaria a vontade soberana do Estado brasileiro. O Min. Joaquim Barbosa aludiu, também, que, se o Presidente justificara a não-entrega do nacional italiano, o procedimento de extradição estaria findo e não haveria outra alternativa senão ordenar a imediata liberação do extraditando. O Min. Ayres Britto, por seu turno, mencionou que o papel do STF nesse procedimento seria fazer prevalecer os direitos humanos e constatar se as formalidades legais teriam sido observadas. Com isso, encerrar-se-ia sua jurisdição. Além disso, o Poder Executivo daria a última palavra nessa seara, cujo trâmite seria binariamente político e jurídico. Consignou que o Supremo resolveria o dilema jurídico: hipótese de extraditabilidade, ou não; e o Presidente, o político: extraditar, ou não. Distinguiu, ainda, a redação do tratado bilateral em comento com a da Lei de Refúgio. Verificou que a primeira norma adotaria critérios subjetivos ao se referir a "razões ponderáveis", ao passo que a última prestigiaria critérios objetivos ao se reportar a "fundados temores". Registrou que o tratado seria um ato de soberania e que seu controle seria do Congresso Nacional, no plano interno; e da parte pactuante e da comunidade internacional, no externo. Ademais, salientou que o Presidente, ao subscrever tratados, agiria como Chefe de Estado. O Min. Marco Aurélio observou que a matéria de fundo estaria vencida e também votou pela expedição imediata do alvará de soltura.

Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República - 5

Vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Cezar Peluso. O relator destacou que um ponto fundamental a ser considerado no processo de extradição diria respeito à natureza jurídica da intervenção do Presidente da República após a concessão, pelo STF, da extradição (terceira fase do processo extradicional). Entretanto, asseverou que, para o deslinde da questão, seria preciso o exame das características determinantes das 3 fases do processo extradicional. No tocante à primeira delas, eminentemente político-administrativa, enfatizou que a natureza discricionária do poder governamental de decidir sobre extradição estaria diretamente vinculada à estrutura da relação obrigacional entre os Estados requerente e requerido. Nesta fase, caberia ao Poder Executivo decidir, em termos de política internacional e, ante suas obrigações — convencionais ou de reciprocidade — sobre o prosseguimento do pleito de extradição. Assinalou que, por outro lado, a fase seguinte seria predominantemente jurisdicional e processada perante o Supremo. No ponto, salientou que esta Corte não adentraria o mérito da condenação penal infligida ao extraditando, não revolveria provas que ensejaram a condenação e tampouco reapreciaria aspectos procedimentais que pudessem implicar a nulidade do processo penal no âmbito do Estado estrangeiro requerente. Assim, a este Tribunal competiria somente o controle da legalidade do processo em tela e, com o julgamento, estaria encerrada a fase jurisdicional. Ficaria a cargo do Poder Executivo a mera responsabilidade pela entrega do extraditando ao Governo requerente, nos termos do art. 86 da Lei 6.815/80 ("Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional"). Registrou que esses controles de constitucionalidade e de legalidade também deveriam ser traduzidos como garantia de respeito incondicional à ordem constitucional e como proteção jurisdicional dos direitos fundamentais do extraditando.

Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República - 6

Indagou se a função do STF estaria concluída com a publicação e com o trânsito em julgado da decisão extradicional. Desse modo, perquiriu sobre a função do Supremo na terceira fase do processo de extradição. Considerou que a competência deste órgão jurisdicional não estaria finda, porquanto, até a definitiva entrega do extraditando ao Estado requerente, ele permaneceria preso sob a custódia desta Corte e, em conseqüência, apenas ela poderia determinar a sua soltura. Nesse sentido, mencionou que os autos do processo seriam arquivados apenas formalmente, iniciando-se a fase de execução da extradição, cujos incidentes seriam submetidos à análise do Tribunal. Tendo isso em conta, ponderou que não se poderia confundir o trânsito em julgado da decisão que defere o pedido de extradição com o "esgotamento" da competência jurisdicional do Supremo. A função de resguardo da incolumidade do ordenamento constitucional e dos direitos fundamentais do extraditando estaria, pois, mantida, de modo que a jurisdição do STF sobre ele terminaria com a sua definitiva entrega. Assim sendo, constatou que o papel do Poder Executivo nessa terceira fase deveria ser discutido. Consignou, todavia, que considerações doutrinárias sequer sustentariam a eventualidade do não cumprimento, pelo Presidente da República, da decisão do STF. Registrou, além disso, que o que se poderia denominar de discricionariedade seria a possibilidade de o Executivo apreciar a conveniência quanto ao adiamento da entrega do extraditando pelo fato de ele já estar sendo processado ou estar cumprindo pena por outro crime no Brasil, mas isso delimitado aos preceitos normativos contidos na lei interna do Estado requerido, em tratado internacional e no próprio acórdão concessivo da extradição. Reforçou inexistirem defensores de uma livre apreciação ou de um livre arbítrio do Poder Executivo no tocante à obrigação — de cunho internacional — de dar seguimento à efetiva entrega do extraditando.

Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República - 7

Esclareceu que a atuação do Presidente na terceira fase da extradição seria vinculada aos parâmetros estabelecidos na decisão do STF que a autoriza, de maneira que, ante a existência de tratado bilateral de extradição, caberia ao Poder Executivo cumprir com as obrigações pactuadas no plano internacional e efetivar a extradição, se assim determinar o acórdão desta Corte. Asseverou que a autoridade máxima da Administração Pública, ainda que no exercício da representação política da República Federativa do Brasil, subordinar-se-ia ao ordenamento jurídico interno que, por sua vez, deveria ser interpretado de acordo com o estabelecido pelo STF como guardião da ordem jurídica constitucional. Consignou que a Corte, embora tivesse reconhecido certo grau de discricionariedade ao Presidente quanto à execução da decisão que deferira a extradição em foco, deixara claro que essa discricionariedade estaria delimitada pelos termos do acordo celebrado entre o Brasil e a República da Itália. Por conseguinte, a inexistência de vinculação absoluta do Chefe do Executivo à decisão do STF não implicaria discricionariedade ilimitada para a execução, ou não, do pedido de extradição, já que deveria observar as balizas do direito convencional. Assim, ao ressaltar o significado do tratado bilateral de extradição na ordem jurídica interna, consignou que, diferentemente do pleito formulado em promessa de reciprocidade, no pedido de extradição apoiado em acordo internacional, seria incabível a recusa arbitrária pelo Estado brasileiro. Ademais, realçou que as relações entre os países em questão seriam marcadas pela cooperação no plano extradicional. Tendo isso em vista, julgou que a letra f do número 1 do art. III do referido tratado deveria ser analisada. A respeito, constatou que a presença de "razões ponderáveis", ainda que sugerisse uma margem de apreciação política por parte do intérprete, deveria ser contextualizada, levando em consideração todas as circunstâncias fáticas e jurídicas da situação. Não se trataria, pois, de mera avaliação subjetiva, mas sim de interpretação realizada a partir de elementos concretamente aferíveis. Logo, negar uma extradição com fundamento em manifestações populares de sociedade notoriamente singularizada pela democracia não teria cabimento, porque presumível que um Estado internacionalmente comprometido com os direitos fundamentais seria capaz de garantir a proteção do extraditando.

Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República - 8

O relator, ao apreciar as justificativas da decisão presidencial que recusara a extradição, reputou que seriam, em essência, as mesmas utilizadas pelo Ministro da Justiça, por ocasião da concessão de refúgio ao extraditando. Contudo, relembrou que este instituto fora afastado pelo STF que, por entender que os crimes praticados pelo extraditando seriam comuns, e não políticos, deferira o pleito de extradição. Dessa forma, inviável a reiteração dos argumentos do ato concessivo de refúgio para, agora, recusar a extradição. Destacou que em jogo a observância, pelo Estado brasileiro, de tratado internacional, cuja incorporação à ordem jurídica interna o convolaria em parâmetro normativo aferível também internamente. Impor-se-ia, portanto, ao Brasil — consideradas as balizas objetivamente estabelecidas no acórdão que deferira a extradição, e em virtude da imperiosa necessidade de se cumprir os termos do tratado celebrado — realizar a entrega do extraditando. Tendo isso em conta, desconstituía o ato reclamado e determinava a imediata entrega do extraditando ao país requerente. Por derradeiro, assentava o prejuízo do exame da ADI 4538/DF — proposta contra o parecer da AGU, que servira de fundamento para a decisão presidencial de negativa de entrega do extraditando — ante a ausência de generalidade e abstratividade do pronunciamento adversado e da ACO 1722/DF — que impugna o ato do Presidente que denegara a extradição —, já que os temas suscitados na ação popular que lhe dera origem estariam postos no bojo da própria extradição.

Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República - 9

A Min. Ellen Gracie, ao iniciar seu voto, frisava que a garantia do bom exercício do poder seria sua limitação e sua submissão a controles e a restrições. Entendia que o ato do Presidente estaria sujeito a controle jurisdicional como qualquer outro ato administrativo. Destacava, ainda, que o tratado de extradição seria uma manifestação clara de uma política de cooperação internacional em matéria criminal e que não vislumbrava, no parecer oferecido pela AGU, indício de que o extraditando pudesse ser submetido a condições desumanas. Enfatizava ser necessária a presença de "razão ponderável" para a não-concessão do pleito extradicional e que, na espécie, inexistiria o ingresso de nova evidência ao que já analisado pelo STF. Asseverava que o Brasil exerceria sua soberania quando firmasse tratado e não quando o descumprisse, de modo que o ato do Presidente não poderia ser mantido, uma vez que contrariaria um dos princípios basilares que regeriam as relações internacionais do Brasil: repúdio ao terrorismo (CF, art. 4º, VIII). Em idêntico sentido se pronunciara o Min. Cezar Peluso. Aduzia que o Presidente submeteria o pedido extradicional ao STF para legitimar o ato de entrega e que o tratado seria vinculante para o Presidente, não havendo aí liberdade política, já que o tratado, ao ser incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, transformar-se-ia em norma jurídica de direito interno. Assim, se surgir dúvida a respeito da compatibilidade entre o ato perpetrado pelo Presidente e a norma, cabível ao Supremo, na hipótese, dizer se aquele cumprira, ou não, a norma jurídica. Também não teria encontrado provas de perseguição ou de agravamento da situação do extraditando e, por isso, assinalava que o ato presidencial decorrera de subjetivismo, em manifestação de arbítrio, visto que não seria permissível controlar a sua veracidade, a sua verossimilhança. Concluía, então, que o Presidente descumprira a lei e a decisão do STF.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...