ECA: classificação indicativa e
liberdade de expressão - 1
O Plenário iniciou julgamento de ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada, pelo Partido Trabalhista Brasileiro - PTB,
contra a expressão “em horário diverso do
autorizado” contida no art. 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente -
ECA (“Transmitir, através de rádio ou
televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua
classificação: Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em
caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da
programação da emissora por até dois dias”). O Min. Dias Toffoli, relator,
acompanhado pelos Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ayres Britto, julgou o
pleito procedente, para declarar a inconstitucionalidade da mencionada
expressão. Afirmou que tanto a liberdade de expressão nos meios de comunicação
como a proteção da criança e do adolescente seriam axiomas de envergadura
constitucional e que a própria Constituição teria delineado as regras de
sopesamento entre esses valores. A respeito, rememorou o julgamento da ADPF
130/DF (DJe de 6.11.2009) por esta Corte, em que consignada a plenitude do
exercício da liberdade de expressão como decorrência da dignidade da pessoa
humana e como meio de reafirmação de outras liberdades constitucionais.
Ademais, assentara-se, à época, a regulação estritamente constitucional do
tema, a imunizar o direito de livre expressão contra tentativas de disciplina
ou autorização prévias por parte de norma hierarquicamente inferior, a teor do
art. 220 da CF. Asseverara-se, ainda, a existência de óbice constitucional ao
controle prévio pelo Poder Público do conteúdo objeto de expressão sem,
entretanto, retirar do emissor a responsabilidade por eventual desrespeito a
direitos alheios, imputados à comunicação.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011.
(ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e
liberdade de expressão - 2
Reputou que o presente caso destacaria a liberdade de expressão
na sua dimensão instrumental, ou seja, a forma como se daria a exteriorização
da manifestação do pensamento. Nesse sentido, registrou que a real consagração
da liberdade de expressão, nos termos do art. 5º, IX, da CF, dependeria da
liberdade de comunicação social, prevista no art. 220 da CF, de modo a garantir
a livre circulação de idéias e de informações, a comunicação livre e
pluralista, protegida da ingerência estatal. A respeito, anotou a liberdade de
programação como uma das dimensões da liberdade de expressão em sentido amplo,
essencial para construir e consolidar uma esfera de discurso público
qualificada. Por outro lado, asseverou que a criança e o adolescente, pela
posição de fragilidade em que se colocariam no corpo da sociedade, deveriam ser
destinatários, tanto quanto possível, de normas e ações protetivas voltadas ao
seu desenvolvimento pleno e à preservação contra situações potencialmente
danosas a sua formação física, moral e mental. Nesse aspecto, sublinhou o art.
227 da CF (“É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”).
Frisou que o ECA concretizaria o valor de preservação insculpido na
Constituição, ao estabelecer incentivos para que se alcançassem os objetivos
almejados e ao fixar uma série de vedações às atividades a eles contrárias.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e
liberdade de expressão - 3
De modo a compatibilizar a defesa da criança e do adolescente
contra a exposição a conteúdos inapropriados veiculados em diversões públicas e
programas de rádio e de televisão, de um lado, e a garantia constitucional da
liberdade de expressão, de outro, lembrou o art. 21, XVI, da CF (“Art. 21. Compete à União: ... XVI - exercer
a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas
de rádio e televisão”), bem como o art. 220, § 3º, I e II, do mesmo diploma
(“Art. 220. A manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo
ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição ... § 3º - Compete à lei federal: I - regular as diversões e
espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles,
as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua
apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que
garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou
programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem
como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à
saúde e ao meio ambiente”). Concluiu que a Constituição teria estabelecido
mecanismo apto a oferecer aos telespectadores das diversões públicas e de
programas de rádio e televisão as indicações, as informações e as recomendações
necessárias acerca do conteúdo veiculado. O sistema de classificação indicativa
seria, então, ponto de equilíbrio tênue adotado pela Constituição para
compatibilizar os dois postulados, a fim de velar pela integridade das crianças
e dos adolescentes sem deixar de lado a preocupação com a garantia da liberdade
de expressão.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e
liberdade de expressão - 4
Destacou que a Constituição buscaria, em ultima ratio, conferir aos pais, como reflexo do exercício do poder
familiar, o papel de supervisão efetiva sobre o conteúdo acessível aos filhos,
enquanto não plenamente aptos a conviver com os influxos prejudiciais do meio
social. Dessumiu que seriam muitos os fatores a pluralizar as concepções morais
e comportamentais das famílias, fossem eles religiosos, econômicos, sociais ou
culturais. Ressurtiu, porém, que teria sido resguardado o direito dos
dirigentes da entidade familiar ao seu livre planejamento, respeitados os
postulados da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (CF, art.
226, § 7º). Dessa forma, a classificação dos produtos audiovisuais buscaria
esclarecer, informar, indicar aos pais a existência de conteúdo inadequado para
seus filhos. A classificação, desenvolvida pela União, possibilitaria que os
pais, calcados na autoridade do poder familiar, decidissem se a criança ou o
adolescente poderia ou não assistir a determinada programação. Não teria,
assim, caráter impositivo. Citou a regulação do tema estabelecida pelo ECA
(artigos 74 a
77) e a sanção administrativa para a hipótese de descumprimento da
classificação efetuada pelo Poder Público, no mesmo diploma (art. 254).
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
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liberdade de expressão - 5
Quanto à classificação indicativa, aludiu ser efetuada por
órgão do Ministério de Estado da Justiça, o Departamento de Justiça,
Classificação, Títulos e Qualificação, ao qual teria sido delegada a
competência de monitorar programas de televisão e recomendar as faixas etárias
e os seus horários (Decreto 6.061/2007, art. 10, III). Ademais, segundo o art.
3º da Lei 10.359/2001, a atividade de classificação indicativa seria exercida
com a participação das entidades representativas das emissoras. Destacou que,
atualmente, o procedimento administrativo de classificação seria regulamentado
pela Portaria 1.220/2007, daquele Ministério. Demonstrou que, inclusive sob a
óptica da regulamentação infralegal, a classificação seria dirigida aos pais ou
responsáveis, e não às emissoras de radiodifusão. Anotou que, de acordo com a
referida portaria, o procedimento adotado para a classificação seria o
seguinte: o titular ou o representante legal da obra audiovisual apresentaria
requerimento ao órgão ministerial responsável, com descrição fundamentada sobre
o conteúdo e o tema do programa que se pretenderia veicular, abrangendo, ainda,
a “autoclassificação” pretendida. O pedido de classificação ficaria, então, submetido
a análise, podendo haver reclassificação, passível de recurso. Os programas
jornalísticos ou noticiosos, esportivos, eleitorais e obras publicitárias em
geral não estariam sujeitos à classificação indicativa. Já os programas
exibidos ao vivo submeter-se-iam a atividade de monitoramento, podendo ser
classificados quando constatada a presença reiterada de inadequações. A
portaria disporia, também, sobre a classificação dos programas televisivos
conforme as faixas etárias para as quais não se recomendariam e os horários em
que sua apresentação se mostraria inadequada.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011.
(ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e
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Acentuou que o sistema configuraria classificação eminentemente
estatal, de regulação exclusivamente pública. Caberia, portanto, ao Estado
estabelecer as normas e critérios gerais a serem seguidos na classificação,
como também exercer a atividade classificatória, monitorar e fiscalizar o
cumprimento das regras estabelecidas. Nesse contexto, considerado o passado não
muito distante de censura institucionalizada no país, asseverou que, a fim de
se evitar esse tipo de intervenção estatal, adotar-se-ia, no direito comparado,
a sistemática de classificação indicativa calcada na auto-regulação e no
autocontrole pelas próprias emissoras ou mediante co-regulação, a qual
combinaria auto-regulação e regulação pública. Exemplificou experiências que
ocorreriam nos EUA, Canadá, Espanha e Portugal. Anotou que o modelo de
classificação eminentemente estatal, como ocorreria no Brasil, distanciar-se-ia
das tendências dos marcos regulatórios de muitas democracias ocidentais, e que
os outros modelos explicitados estimulariam as emissoras de radiodifusão a se
envolverem de forma mais responsável na proteção do público infanto-juvenil, em
face da sua programação, para apresentar e tornar públicas suas posições — o
que seria monitorado pela sociedade e pelos próprios telespectadores — de forma
que o Estado ofereceria apenas os parâmetros gerais de classificação e
incentivaria a auto-regulamentação, por intermédio de órgãos, que somente
atuariam nas situações de falhas ou abusos no sistema.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011.
(ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e
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Pontuou que a competência da União para exercer a classificação
indicativa somente se legitimaria por expressa disposição constitucional, e que
essa incumbência não se confundiria com autorização, sequer poderia servir de
anteparo para que se aplicassem sanções de natureza administrativa. Assim, o
uso do verbo “autorizar”, contido na
expressão impugnada, revelaria sua ilegitimidade. Entendeu que a submissão de
programa ao Ministério de Estado da Justiça não consistiria em condição para
que pudesse ser exibido, pois não se trataria de licença ou de autorização
estatal, vedadas pela Constituição. A submissão ocorreria, exclusivamente, com
o fito de que a União exercesse sua competência administrativa para classificar,
a título indicativo, as diversões públicas e os programas de rádio e televisão
(CF, art. 21, XVI). Assim, o Estado não poderia determinar que a exibição da
programação somente se desse em horários determinados, o que caracterizaria
imposição, e não recomendação. Inexistiria dúvida de que a expressão
questionada teria convertido a classificação indicativa em obrigatória,
portanto. No compasso, recordou que os debates ocorridos durante a Assembléia
Nacional Constituinte teriam ressaltado a importância da expressão “para efeito indicativo”, contida no art.
21, XVI, da CF e que o diploma constitucional utilizaria o termo “indicativo” também ao tratar da ordem
econômica (art. 174, caput).
Enfatizou que o referido vocábulo seria utilizado no sentido de “facultativo,
não obrigatório”.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011.
(ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e
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Aduziu que a Constituição conferira à União e ao legislador
federal margem limitada de atuação no campo da classificação dos espetáculos e
diversões públicas. A autorização constitucional seria para que aquele ente
federativo classificasse, informasse, indicasse as faixas etárias e/ou horários
não recomendados, e não que proibisse, vedasse ou censurasse. A classificação
indicativa deveria, pois, ser entendida como aviso aos usuários acerca do
conteúdo da programação, jamais como obrigação às emissoras de exibição em
horários específicos, mormente sob pena de sanção administrativa. A respeito,
concluiu que o dispositivo adversado, ao estabelecer punição às empresas do
ramo por exibirem programa em horário diverso do autorizado, incorreria em
abuso constitucional. Por outro lado, reputou que, embora a norma discutida não
impedisse a veiculação de idéias, não impusesse cortes em obras audiovisuais,
mas tão-somente exigisse que as emissoras veiculassem seus programas em horário
adequado ao público-alvo, implicaria censura prévia, acompanhada de elemento
repressor, de punição. Esse caráter não se harmonizaria com os artigos 5º, IX;
21, XVI; e 220, § 3º, I, todos da CF. Salientou não se poder pressupor que as
emissoras, na escolha de sua programação, seriam, a priori, nocivas à população infanto-juvenil, a merecer tutela
estatal. Ademais, afastou a idéia paternalista de que se justificaria a
proibição diante da dificuldade de se ter a presença dos pais ao lado dos
filhos, porquanto o Estado não deveria atuar como protagonista na escolha do
que deveria ou não ser exibido em determinado horário. No ponto, dessumiu que
os agentes administrativos seriam tão falíveis quanto as emissoras ao realizar
a classificação indicativa. Ressurtiu que o Poder Público não deveria
substituir os pais ao regular o conteúdo a que os filhos tivessem acesso, mas
deveria dotar a sociedade de meios eficazes para o exercício desse controle de
qualidade. Frisou que permaneceria o dever de as emissoras mostrarem ao público
o aviso de classificação etária, de forma antecedente e concomitante com a
veiculação do conteúdo (ECA, art. 76, parágrafo único).
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011.
(ADI-2404)
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Esclareceu que a exibição do aviso de classificação indicativa
teria efeito pedagógico, a exigir reflexão por parte do espectador e dos responsáveis.
Seria dever estatal, nesse ponto, conferir maior publicidade aos avisos de
classificação, bem como desenvolver programas educativos acerca desse sistema.
Lembrou que o controle parental poderia ser feito, inclusive, com o auxílio de
meios eletrônicos de seleção e de restrição de acesso a determinados programas,
como já feito em outros países. Evidenciou que a tecnologia seria de uso
obrigatório no Brasil, apesar de ainda não adotada (Lei 10.359/2001). Destacou
que a classificação indicativa desencadearia importante efeito auto-regulador
por parte das próprias emissoras, pois sujeitas às susceptibilidades dos
espectadores. Considerou, ademais, que seria sempre possível a
responsabilização judicial das emissoras de radiodifusão por abusos ou danos à integridade
de crianças e adolescentes, tendo em conta, inclusive, a recomendação do
Ministério de Estado da Justiça em relação aos horários em que determinada
programação seria adequada. Nesse aspecto, a liberdade de expressão exigiria
igualmente responsabilidade no seu exercício. As emissoras deveriam observar na
sua programação as cautelas necessárias às peculiaridades do público
infanto-juvenil. Elas deveriam, não obstante, proceder ao enquadramento horário
de sua programação, e não o Estado. Por fim, rejeitou o pedido de declaração de
inconstitucionalidade, por arrastamento, da expressão “a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da
emissora por até dois dias”, constante do parágrafo único do art. 254 do
ECA e o de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 76 do
mesmo diploma. Ambas as pretensões teriam sido formuladas pela Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - Abert, na qualidade de amica curiae. A citada expressão também
se aplicaria à conduta referida no caput
do art. 254, a
qual não teria sido objeto da presente ação direta. No tocante ao art. 76 do
ECA, entendeu possuir vida própria, a afastar o fenômeno da
inconstitucionalidade por arrastamento.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011.
(ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e
liberdade de expressão - 10
O Min. Luiz Fux acrescentou que a Constituição encontraria uma
de suas expressões mais caras na preservação de uma imprensa livre e independente,
que pudesse dar voz com desenvoltura às diversas manifestações populares, mesmo
diante da atuação do Poder Público. Assinalou que seria claro o risco
subjacente a qualquer forma de controle prévio pelo Poder Executivo do conteúdo
a ser veiculado nos meios de comunicação, no sentido de ensejar abusos e
arbitrariedades pelo corpo da burocracia administrativa, suscetível à
influência das maiorias políticas ocasionais. Relatou situações pretéritas de
manipulação e de inibição da imprensa em ditaduras latino-americanas, a
ressaltar o caráter exclusivamente indicativo da atividade de classificação do
conteúdo dos programas. Ponderou acerca da disciplina constitucional
pormenorizada do tema, nos artigos 220 a 224 da CF, e da tônica pelo caráter
indicativo da classificação estatal, a enfatizar o papel da própria pessoa e da
família na tutela frente aos efeitos nocivos da infringência aos valores
protegidos constitucionalmente. Realçou a confiança que o constituinte
depositara no poder familiar, a quem caberia o zelo, em primeiro lugar, pela
formação psicológica adequada da criança (CF, art. 227, caput). A classificação indicativa permitiria, portanto, que o
Estado aconselhasse, sem tomar para si a função de oráculo moral da sociedade.
Nesse sentido, a lógica que perpassaria o regime de liberdade de imprensa
basear-se-ia, simultaneamente, na desconfiança quanto ao Poder Público e na
confiança da atuação dos próprios agentes que atuariam no chamado “livre
mercado de idéias”. Referiu que, ao longo da história brasileira, os veículos
de comunicação não demonstrariam descompromisso quanto aos valores sociais, a
reforçar o papel da auto-regulação. Ressalvou a necessidade de serem impostos
balizamentos no que concerne a essa regulação própria, em harmonia com o art.
221, IV, da CF. Resguardou, por derradeiro, ampla possibilidade de acesso ao
Poder Judiciário para tutelar direitos eventualmente contrapostos à liberdade
de imprensa.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011.
(ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e
liberdade de expressão - 11
A Min. Cármen Lúcia discorreu sobre as dificuldades de se
consolidar a liberdade de expressão, mesmo em plena democracia, e que a questão
seria de ameaça a esse valor. Dessa maneira, a censura não seria meio legal de
garantia de defesa contra programações indesejadas, já que sequer se conheceria
o conteúdo que não teria ido ao ar por impedimento prévio. Ressaiu que a
internet exporia crianças e adolescentes a programas de toda sorte e que o Estado
buscaria vedar o acesso ao que poderia ser verificado, sob ameaça de certas
medidas punitivas, o que contrariaria a Constituição. O Min. Ayres Britto
versou que esse diploma teria autorizado o Poder Público a emitir juízo
negativo do que não fosse adequado, segundo critério discricionário. Isso não
implicaria, entretanto, passar a dizer o que a emissora poderia fazer ou não.
Inferiu que, no tocante aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, o
discurso constitucional seria totalmente aberto, de modo que a censura de
conteúdo seria proibida, pois plena a liberdade de imprensa. Enumerou os
conteúdos desse postulado, que seriam a liberdade de manifestação do
pensamento, a de expressão e a de informação. Aduziu que a proteção
constitucional à família seria no sentido de autotutela, e que o papel do
Estado consistiria em mera classificação indicativa. Após, pediu vista o Min.
Joaquim Barbosa.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011.
(ADI-2404)
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de
inelegibilidade - 8
O Plenário retomou julgamento conjunto de duas ações
declaratórias de constitucionalidade e de ação direta de inconstitucionalidade
nas quais se aprecia a denominada Lei da “Ficha Limpa” — v. Informativo 647. O
Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, julgou procedentes os pedidos formulados
nas primeiras e improcedente o requerido na última. Preliminarmente, acompanhou
o Min. Luiz Fux, relator, quanto ao conhecimento das ações apenas no tocante às
causas de inelegibilidade. No mérito, destacou que a Constituição erigira à
condição de critérios absolutos para o exercício de cargos públicos a
probidade, a moralidade e a legitimidade das eleições. Nessa linha, reafirmou
que a LC 135/2010 seria compatível com a Constituição, em especial com o que
disposto no seu art. 14, § 9º (“Lei
complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua
cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para
exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e
legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do
exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”),
a formar um todo que poderia ser qualificado como Estatuto da Ética e da
Moralidade da Cidadania Política Brasileira. Relembrou que inelegibilidade não
seria pena, razão pela qual incabível incidir o princípio da irretroatividade
da lei, notadamente, do postulado da presunção de inocência às hipóteses de
inelegibilidade. No ponto, alertou sobre o empréstimo desse princípio à seara
eleitoral, em que prevaleceriam outros valores, cuja primazia diria respeito ao
eleitor, que não se veria representado por pessoas que ostentariam em seu
currículo nódoas como as previstas na lei em comento.
ADC 29/DF,
rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADC-29)
ADC 30/DF,
rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADI-4578)
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de
inelegibilidade - 9
Após breve histórico sobre as inelegibilidades, reputou
insustentável tese que afastaria a imposição de inelegibilidades a pessoas que
se enquadrariam nas situações da Lei da “Ficha Limpa”, quais sejam, as
comprovadamente corruptas, ímprobas, que responderam ou que foram condenadas
sob o devido processo legal por fatos extremamente graves, que não mais
poderiam ser legalmente revistos, revisitados ou revertidos por qualquer
tribunal do país. No que concerne à alínea k do inciso I do art. 1º,
divergiu do relator para assentar a constitucionalidade do dispositivo.
Asseverou que a Constituição já conteria preceito que vedaria a renúncia como
burla ao enfrentamento de processo que visasse ou pudesse levar à perda do
mandato. Consignou que não seria simples petição ou requerimento que
ocasionaria a renúncia, sendo esta fruto da valoração feita pelo parlamentar
acerca dos fatos a ele imputados e de sua decisão livre e autônoma de rejeitar
o mandato eletivo. Assim, entendeu que a lei impugnada não retroagiria para
atingir os efeitos da renúncia, que se encontraria perfeita e acabada, mas
concederia efeitos futuros a ato ocorrido no passado. Concluiu que essa manobra
parlamentar para fugir à elucidação pública mereceria ser incluída entre os
atos que manchariam a vida pregressa do candidato. Por derradeiro, repeliu a
alegação de inconstitucionalidade da alínea m, pleiteada na ADI 4578/DF,
ao fundamento de que a condenação por infração ético-profissional demonstraria
sua inaptidão para interferência na gestão da coisa pública. Após o reajuste de
voto do Min. Luiz Fux para também declarar a constitucionalidade da aludida
alínea k, pediu vista o Min. Dias Toffoli.
ADC 29/DF,
rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADC-29)
ADC 30/DF,
rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADI-4578)